Encerramento de uma das duas ligações entre a Argélia e a Península Ibérica obrigou as empresas energéticas espanholas a intensificar as chegadas de gás liquefeito.
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Com o inverno à porta, o setor energético enfrenta uma inesperada crise que fez soar os alarmes da maioria dos países europeus, dependentes do consumo de gás natural. O preço do combustível tem disparado a nível mundial, devido ao grande desequilíbrio entre a escassa oferta e a excessiva procura asiática. Um desajuste do mercado que afeta diretamente Espanha, dependente em 99% das importações de gás natural para produzir 15% da energia elétrica. Todas as semanas, os preços que os espanhóis pagam pela energia atingem novos máximos históricos.
Travar o problema de abastecimento de combustível tornou-se mais complicado no último mês, depois da Argélia, principal fornecedor de gás a Espanha através de dois gasodutos, cortar as relações diplomáticas com Marrocos. A rutura política provocou o encerramento do Gasoduto Magrebe-Europa (GME), uma vez que parte dos 1400 quilómetros que ligam a Argélia ao continente europeu, passam por território marroquino. Através dessa via, Espanha recebeu no ano passado 6 mil milhões de metros cúbicos de gás natural, o que representa 20% do consumo anual.
A solução mais fácil passa por aumentar a produção do outro gasoduto da região, o Medgaz, que liga diretamente a Argélia e Almería, no sul de Espanha. As obras para ampliar a infraestrutura antes do final do inverno já começaram, no entanto, serão apenas alcançados 10 mil milhões de metros cúbicos de capacidade, valor que não é suficiente para compensar a perda com o encerramento do GME.
A impossibilidade de assegurar as necessidades de consumo através de gasodutos obriga Espanha a intensificar o transporte de gás natural por barco, que já representava mais de metade das exportações. Um processo muito mais pesado economicamente. O gás deve ser liquefeito para poder ser carregado num navio-tanque e ser transportado para uma fábrica, que restaura as caraterísticas originais do gás natural. Depois, é introduzido na rede de transporte.
Maior rede da Europa
Espanha conta com a maior capacidade de regaseificação do gás liquefeito de toda a Europa, graças às seis instalações localizadas em Barcelona, Bilbao, Sagunto, Cartagena, Huelva e Corunha. "Estas fábricas trabalharam abaixo de metade da capacidade durante os últimos anos, pelo que existe margem suficiente para um maior aprovisionamento de gás em barco", explica José María Yusta, professor da Universidade de Zaragoza.
Porém, as condições meteorológicas do inverno poderão dificultar o transporte marítimo o que obrigaria Espanha a recorrer ao gás armazenado em diferentes pontos subterrâneos da Península Ibérica. "As fábricas enchem os depósitos durante o verão para poderem ser usados no inverno, na eventualidade de haver um temporal. Espanha conta com reserva de gás natural equivalente a 40 dias de consumo segundo, Enagás", adianta o perito em mercados de energia.
O risco de ocorrer um grande apagão em Espanha é mínimo, apesar do medo infundado que vai crescendo nas redes sociais. "É um boato injustificado. As infraestruturas espanholas de gás natural e de eletricidade são bastante robustas e contam com duas operadoras muito qualificadas e com um grande prestígio internacional como Rede Elétrica da Espanha e Enagás", conclui Yusta, que colabora com investigações da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto.
Ligação com Portugal
Espanha transfere gás natural para Portugal através de dois pontos de subterrâneos: Badajoz-Campo Maior e Tui-Valença. Parte significativa do gás natural consumido em Portugal chega liquefeito a Sines, pelo que o encerramento do GME não terá grande impacto.