Trump "castiga" jornalistas que o escrutinam com ameaças, processos e retaliações
O primeiro mês do segundo mandato de Donald Trump está a ser caracterizado por um antagonismo musculado aos jornalistas e meios de comunicação que escrutinam o Governo, incluindo processos legais e proibição de entrada na Casa Branca.
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É o que está a acontecer aos jornalistas da Associated Press (AP), que foram barrados de fazer a cobertura diária na Casa Branca porque a agência continua a usar o nome "Golfo do México" nas notícias internacionais em vez de "Golfo da América".
Sendo uma agência de notícias usada por milhares de meios de todo o mundo, a AP explicou que continua a usar o nome reconhecido internacionalmente há 400 anos. A Casa Branca anunciou que a proibição é por tempo indefinido e impedirá jornalistas da AP de entrarem na Sala Oval e no avião do presidente, Air Force One.
"As ações tomadas por esta Casa Branca tiveram a intenção de castigar a AP pelo conteúdo do seu discurso", escreveu a editora executiva da agência, Julie Pace, numa carta dirigida à chefe de pessoal Susie Wiles. "Um dos princípios mais básicos da Primeira Emenda é que o Governo não pode retaliar contra o público ou a imprensa pelo que dizem".
Mas a Casa Branca argumentou que o acesso é um privilégio e não um direito. O grupo de jornalistas que cobre a Casa Branca e os eventos presidenciais é conhecido como "press pool" e a AP foi um dos meios fundadores.
O presidente da Inter American Press Association, José Roberto Dutriz, expressou repúdio ao que está a acontecer: "Restringir a cobertura de imprensa e avisar a AP demonstra uma intenção preocupante de impor critérios oficiais sobre informação de interesse público, com a ameaça de represálias aos que não cumprirem".
Também o Instituto Internacional de Imprensa (IPI) apelou para que o presidente levante o veto, considerando que se trata de uma “tentativa de punir a AP” por decisões que são editoriais e como tal independentes.
Ao mesmo tempo, o novo presidente do regulador das comunicações, Brendan Carr, abriu investigações contra os meios públicos NPR e PBS, de olhos postos na eliminação do financiamento a meios de difusão.
A situação tem gerado debate entre jornalistas e especialistas em média sobre como cobrir a segunda presidência de Trump e que erros podem ser evitados. O "Washington Post" frisou que é preciso cobrir o que Trump faz, não o que diz, enquanto a "Vanity Fair" escreveu sobre a necessidade de não cair no choque e ultraje com tudo e perder de vista o que é mesmo problemático. No Reliable Sources, da CNN, Brian Stelter avisou que os jornalistas estão a ser forçados a cobrir “realidades inexistentes” invocadas por Trump por causa do poder que ele tem.
Um dos consensos é de que os meios não podem deixar que a rápida sucessão de acontecimentos e afirmações da administração os deixe assoberbados e incapazes de cobrir as alterações significativas que vão afetar a vida de todos.
O debate acontece no meio de ataques constantes. Elon Musk disse que os jornalistas do “60 Minutos” deviam ir para a prisão por causa de uma entrevista a Kamala Harris e Trump acusou um jornalista da VOA de “traição” por incluir uma citação crítica do presidente num artigo.
O jornal "Politico" é outro dos alvos, que se viu envolvido no desmantelamento da Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID) conduzido por Elon Musk e o departamento DOGE. Trump clamou que o jornal recebeu oito milhões de dólares (7,6 milhões de euros) da agência de ajuda internacional como forma de "pagar" notícias boas para os democratas.
No entanto, a soma era o total de assinaturas do serviço "Pro" pago por várias agências federais, não um subsídio. Várias das assinaturas remontam ao primeiro mandato de Trump.
O presidente também emendou para o dobro o valor do processo contra a CBS e o seu programa "60 Minutos", que acusa de ter editado uma entrevista a Kamala Harris de forma favorável à candidata. Trump exige agora 20 mil milhões de dólares em danos e já conseguiu que o programa cedesse ao publicar a versão em bruto da entrevista.
Apesar de o consenso entre especialistas legais na Primeira Emenda ser de que o processo não tem mérito, há rumores de que a CBS pode chegar a acordo fora do tribunal. Seria o segundo grande grupo de media a fazê-lo, depois de a ABC ter decidido pagar 16 milhões para resolver um processo de difamação interposto por Trump que os especialistas consideravam ser fácil de ganhar pela empresa.
Outro processo que está a decorrer é de Trump contra o Des Moines Register, alegando "interferência eleitoral" por causa de uma sondagem que dava vantagem a Kamala Harris no Iowa, estado que o presidente ganhou.
Pete Hegseth, secretário da Defesa, e Kash Patel, nomeado para o FBI, avisaram os jornalistas de que poderão recorrer a processos de difamação por causa de artigos com os quais não concordam.
Esta foi uma estratégia usada também no primeiro mandato de Trump, durante o qual o presidente processou a CNN, o "Washington Post" e o "New York Times".
No Pentágono, Pete Hegseth ordenou a remoção dos espaços de trabalho da NBC News, NPR, "New York Times" e "Politico" e a substituição por meios favoráveis a Trump - One America News Network (OANN), Breitbart e "New York Post". A exceção é o "HuffPost", que tem uma marca progressiva e foi convidado apesar de não ter um correspondente no Pentágono.