A empresa anteriormente conhecida como Twitter foi acusada de ajudar a Arábia Saudita a cometer graves abusos dos direitos humanos contra os seus utilizadores num processo civil nos EUA.
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A ação foi movida em maio passado por Areej al-Sadhan, irmã de um trabalhador humanitário saudita que desapareceu e depois foi condenado a 20 anos de prisão. Em causa está a infiltração de três agentes sauditas na empresa californiana, dois dos quais se fizeram passar por funcionários do Twitter em 2014 e 2015, o que acabou por levar à exposição da identidade de milhares de utilizadores da rede social. A ação foi atualizada na semana passada, de acordo com o jornal britânico "The Guardian".
Segundo o processo, o caso remonta a dezembro de 2014, quando Ahmad Abouamm, que mais tarde foi condenado nos EUA por agir secretamente como agente saudita, começou a enviar dados confidenciais de utilizadores para a Arábia Saudita. Abouamm enviou uma mensagem a Saud al-Qahtani, assessor do príncipe herdeiro Mohammed bin Salman, através da rede social, que dizia: “De forma proativa e reativa, eliminaremos o mal, meu irmão”. A ação adianta que esta foi uma referência à identificação de supostos dissidentes sauditas que usavam a plataforma.
“O Twitter estava ciente desta mensagem – enviada descaradamente na sua própria plataforma – ou ignorou-a deliberadamente”, afirma o processo.
Mesmo depois da sua demissão em maio de 2015, Abouammo continuou a contactar o Twitter para responder aos pedidos que recebia de Bader al-Asaker, assessor de Mohammed bin Salman, sobre a identidade de utilizadores.
Dados confidenciais revelados "no mesmo dia"
Segundo o processo, continua o jornal britânico, as autoridades sauditas preenchiam "pedidos de divulgação de emergência" quando recebiam dados confidenciais de utilizadores dos seus agentes que trabalhavam dentro da empresa para obter documentação que confirmasse a identidade de um utilizador, que seria usada em tribunal. Estes pedidos eram aprovados no mesmo dia.
Em maio de 2015, quando dois utilizadores do Twitter publicaram mensagens na plataforma sobre o reino, Ali Hamad Alzabarah, um outro saudita que também foi mais tarde acusado e que é agora um fugitivo na Arábia Saudita, acedeu aos dados dos utilizadores em poucas horas e a documentação foi automaticamente aprovada pelo Twitter.
Entre julho e dezembro desse ano, o Twitter aprovou os pedidos da Arábia Saudita “com uma frequência significativamente maior” do que a maioria dos outros países, incluindo Canadá, Reino Unido, Austrália e Espanha.
Em 5 de novembro de 2015, poucos antes de o FBI expor sobre as as suas preocupações sobre uma infiltração saudita na empresa, o Twitter promoveu Alzabarah, que enviou uma nota a al-Asaker, transmitindo a sua “felicidade inimaginável” pela promoção. Segundo o processo, a nota prova que Alzabarah acreditava que al-Asaker tinha “organizado” ou “tido influência” na promoção.
Quando o Twitter tomou conhecimento das preocupações do FBI, colocou Alzabarah de licença e confiscou o seu computador portátil, mas não o seu telemóvel, que este continuou a usar para contactar o Estado saudita. O processo alega, segundo o "The Guardian", que a empresa “tinha todos os motivos para esperar que Alzabarah fugisse imediatamente para a Arábia Saudita e foi exatamente o que fez”.
Mesmo depois de o Twitter ter conhecimento da violação, continuou a traçar estratégias com a Arábia Saudita. Dorsey reuniu-se com o príncipe herdeiro cerca de seis meses depois para discutir como “treinar e qualificar quadros sauditas”.
Condenados à morte por comentários nas redes sociais
Este processo foi atualizado poucos dias depois de um tribunal da Arábia Saudita ter condenado um homem à morte pelas publicações que efetuou na Internet, nomeadamente na rede social X e na plataforma YouTube. De acordo com documentos judiciais, Mohammed bin Nasser al-Ghamdi foi acusado de "trair a religião", "perturbar a segurança da sociedade", "conspirar contra o Governo", transgressões feitas, segundo as autoridades sauditas, através de mensagens divulgadas nas redes sociais.
Também no mês passado, o Tribunal Penal Especializado saudita condenou Mohamed al-Ghamdi, um professor reformado de 54 anos, por vários crimes relacionados com a divulgação das suas opiniões na internet. De acordo com documentos judiciais analisados pela ONG, o tribunal condenou Al-Ghamdi à morte ao abrigo da lei antiterrorismo por "retratar o rei ou o príncipe herdeiro de uma forma que prejudica a religião e a justiça", por apoiar uma entidade que prega a ideologia terrorista e pela publicação de "notícias falsas".
As sentenças fazem parte do esforço de Mohammed bin Salman para controlar vozes discordantes no reino saudita.
A Arábia Saudita é um dos países com maior número de condenações à pena de morte, apenas atrás da China e do Irão, de acordo com a Amnistia Internacional. O número de pessoas executadas pela Arábia Saudita no ano passado (196) foi o mais elevado registado pela Amnistia Internacional em 30 anos. Num só dia, em março passado, a justiça da Arábia Saudita executou 81 pessoas, classificada como a maior execução em massa realizada (e conhecida publicamente) da história contemporânea do reino.