Um vídeo que mostra a rendição de cerca de uma dezena de soldados russos, no este da Ucrânia, está a motivar acusações de crimes de guerra por parte de Moscovo contra o regime de Kiev. As imagens mostram os militares da Rússia, desarmados, deitados no chão, quando aparece um homem a disparar. Nas redes sociais corre a versão de que morreram vítimas de um morteiro, não de uma execução sumária.
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A Rússia acusa a Ucrânia de executar mais de dez soldados russos que se haviam rendido às forças ucranianas durante uma operação militar em Makiyivka, na província de Lugansk. As afirmações de Moscovo assentam em imagens de drone que mostram os corpos de militares russos deitados no chão de uma quinta naquela zona do leste ucraniano, complementadas com mais vídeos e relatos nas redes sociais a reportar a morte de cerca de uma dezena de militares russos.
"Este brutal assassinato de militares russos não é o primeiro nem único crime de guerra da Ucrânia", denunciou o Ministério da Defesa da Rússia. "É uma prática comum nas forças armadas ucranianas e ativamente apoiada pelo regime de Kiev e flagrantemente ignorada pelos sues patrões ocidentais", acrescentou Moscovo, em declarações reproduzidas pela agência de notícias Reuters.
Imagens entretanto reveladas nas redes sociais mostram os corpos de cerca de 12 militares russos, aparentemente sem vida. Nos mesmos fóruns, ucranianos dizem que estes soldados foram mortos por um ataque de morteiro. Kiev não reagiu às alegações de Moscovo ou aos vídeos, que mostram uma rendição que parece ter acabado na morte de militares russos.
O primeiro vídeo, mostrado em parte pelo Ministério da Defesa ucraniano, a detalhar os avanços militares na zona de Makiyivka, foi filmado por um drone a 12 de novembro, ou antes. Juntaram-se, entretanto, imagens captadas ao nível do terreno. Neste segundo filme ouvem-se gritos, em ucraniano, para alguém escondido num barracão numa quinta. Um a um, os homens emergem e deitam-se no chão, de barriga para baixo, rendidos, conta a BBC, que teve acesso às imagens.
Os captores falam ucraniano, enquanto os capturados parecem vestir uniformes russos. Segundo a BBC, que analisou as imagens, o vídeo mostra um homem armado, vestido de roupas escuras, a sair de uma casa e a abrir fogo à medida que caminha. Não foi possível confirmar a identidade do atirador e exatamente para onde estava a disparar. A câmara cai, à medida que os tiros continuam, e o vídeo deixa de ser percetível, transforma-se num borrão.
As imagens aéreas da cena e as filmadas ao nível do chão parecem ser da mesma situação, afiança a BBC, que analisou as cenas e encontrou vários pontos comuns: a entrada de uma casa, com um poste caído no telheiro do alpendre, e um carro vermelho, semidestruído, visível em ambos os ângulos.
A Rússia não tem dúvidas. "Foi um assassínio metódico e deliberado" de militares russos imobilizados e desarmados. Moscovo diz que o governo ucraniano "será responsabilizado por cada prisioneiro morto ou torturado" e que o regime de Kiev "responderá perante o tribunal da História e defronte do público ucraniano e russo" pelas "atrocidades cometidas" contra estes militares.
O Comité de Investigação russo abriu um inquérito criminal ao que classificou de "execução de pelo menos 11 militares russos desarmados". Aquele organismo, dedicado à investigação de crimes graves, está a tentar identificar os autores e os soldados no vídeo.
No Telegram, o Comité divulgou que encaminhará informações sobre a execução de soldados russos às Nações Unidas, Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE), Conselho da Europa, Amnistia Internacional (AI) e outras organizações.
"Exigimos que as organizações internacionais condenem este grotesco crime e levem a cabo uma investigação aprofundada ao que aconteceu", apelou a porta-voz do ministério russo dos Negócios Estrangeiros. Maria Zakharova acusa Kiev de "violar a Convenções de Genebra", que consagram a defesa dos direitos humanos, entre os quais, a proteção e o respeito pelos prisioneiros de guerra.
Em comunicado enviado à Reuters, uma porta-voz da Comissão dos Direitos Humanos da ONU, Marta Hurtado, reconheceu a existência das imagens. "Sabemos dos vídeos e estamos a analisar. As alegações de execuções de pessoas desarmadas devem ser rápida, total e efetivamente investigadas e os perpetradores responsabilizados", disse.
No início da semana, a ONU disse que falou com prisioneiros de guerra ucranianos, capturados pelos russos, que disseram ter sido torturados e maltratados durante o cativeiro. As Nações Unidas concluíram, ainda que há também casos de maus tratos a prisioneiros de guerra russos às mãos de Kiev.
A representante da Missão de Monitorização dos Direitos Humanos da ONU, Matilda Bogner, precisou que os maus tratos de soldados ucranianos às mãos de russos são "relativamente sistemáticos" enquanto não é "frequente" a Ucrânia tratar mal os detidos russos.
A Rússia foi acusada de cometer crimes de guerra mais do que uma vez desde que invadiu a Ucrânia, a 24 de fevereiro. O caso mais grave terá acontecido em Bucha, com a tortura e execução de centenas de civis. Na semana passada, após a reconquista de Kherson, voltaram os relatos de tortura e crimes contra a humanidade alegadamente perpetrados por forças de Moscovo durante a ocupação daquela cidade.
Mais de 220 pessoas foram detidas ou desapareceram às mãos das tropas russas em Kherson, na Ucrânia, entre março e outubro deste ano, segundo um relatório divulgado pelo Observatório de Conflitos dos EUA, na sexta-feira.
O objetivo do relatório do Observatório de Conflitos, programa que recolhe dados independentes, é conseguir responsabilizar a Rússia pelos crimes de guerra cometidos na Ucrânia.