O diretor da organização "Human Rights Watch" considerou, esta quinta-feira, que as violações dos direitos humanos, incluindo pelos Estados Unidos, alimentaram parcialmente a emergência do movimento jiadista Estado Islâmico no Iraque ou a crise na Ucrânia.
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Kenneth Roth falava na apresentação do relatório anual da organização não-governamental de defesa dos direitos humanos "Human Rights Watch" (HRW), com sede em Washington. "As violações dos direitos humanos desempenharam um papel fundamental no desenvolvimento ou no agravamento da maioria das crises atuais", explicou.
Num "mundo que se está a desfazer", muitos governos "parecem considerar que as atuais ameaças à segurança devem ter prioridade sobre os direitos humanos", afirmou.
Mas os direitos humanos tornaram-se "numa bússola essencial da ação política" e descartá-los não é apenas "uma má escolha, é também uma visão redutora e contraprodutiva", declarou.
Do Iraque à Síria, do Egito à Nigéria, passando pela Ucrânia, nestes países marcados pela instabilidade, "proteger os direitos humanos e permitir aos habitantes terem uma palavra a dizer sobre a maneira como os seus governantes tratam as crises são uma chave para a sua resolução", considerou o diretor da HRW.
A emergência dos jiadistas sunitas do EI foi alimentada pela invasão do Iraque pelos Estados Unidos em 2003, que criou um vazio de segurança e violações dos direitos humanos, na prisão de Abu Ghraib, em Bagdade, ou na prisão militar norte-americana de Guantánamo.
Washington e Londres também "fecharam os olhos" às políticas sectárias do antigo primeiro-ministro iraquiano xiita Nuri al-Maliki, à perseguição das minorias sunitas, às detenções arbitrárias e execuções sumárias, continuando a fornecer armas ao governo de Al-Maliki.
Na Síria, os Estados Unidos reuniram uma coligação de cerca de 60 países para lutar contra o EI, mas nenhum desses países pressionou o presidente sírio, Bashar al-Assad, "a pôr fim aos massacres de civis".
"Esta visão seletiva foi um presente para os recrutadores do EI, que se apresentaram como os únicos capazes de resistir às atrocidades de Al-Assad", explicou Roth.
Esta mesma escolha aconteceu no Egito, onde a resposta mundial à repressão "sem precedentes" do atual presidente, general Abdel Fattah al-Sissi, foi "vergonhosamente inadequada", disse.
Washington não se atreve a chamar golpe de Estado ao derrube do ex-presidente eleito, o islamita Mohamed Morsi, devido às preocupações com a segurança na região, e para o país vizinho Israel, aliado dos EUA.
"O EI pode alegar que a violência é o único caminho que leva ao poder, porque quando procuram o poder através de eleições e ganham, são afastados sem grandes protestos internacionais", explicou Roth.
Na Rússia, que calou as vozes dissidentes nos dois últimos anos, as violações dos direitos humanos e a "relativamente fraca reação" dos países ocidentais "agravou a crise na Ucrânia".
Os países ocidentais, que regressaram a "uma mentalidade dos bons contra os maus" e desejosos de apresentar a Ucrânia como a vítima do agressor russo, mostraram-se "reticentes em tratar as violações (dos direitos humanos) cometidas" por Kiev.
Segurança na era digital
A segurança na era digital preocupa também a HRW, que alertou para a espionagem diária feita pelos governos, e a recolha de dados de centenas de milhões de pessoas.
"Em todo o lado, os governos estão a desenvolver uma capacidade de vigilância em massa", com base no modelo dos campeões da matéria, Washington e Londres, considerou a investigadora da HRW Cynthia Wong. "Um verdadeiro cenário digno de George Orwell poderá estar em construção", advertiu.
Em 1949, o britânico George Orwell, pseudónimo de Eric Arthur Blair, publicou "1984", no qual descreve uma sociedade futura em que o Estado controla totalmente todos os aspetos das relações humanas.