Um tribunal de Ibiza ordenou "a libertação imediata" de um homem de nacionalidade portuguesa que cumpria uma pena de seis anos de prisão pelo crime de violação. Esta é a primeira pessoa na ilha espanhola a beneficiar da polémica lei conhecida como "só sim é sim", e que acaba com a diferença entre abuso e agressão sexual, mas que tem sido usada por advogados para reduzir as sentenças aplicadas a criminosos sexuais.
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Adão M. V. F. M. tinha sido condenado, em 2014, a quatro anos de prisão por crimes de roubo e a seis anos por agressão sexual, que foram reduzidos para três anos e seis meses, devido à introdução, no ano passado, de uma nova lei no Código Penal espanhol que endurece as penas para crimes como violações coletivas, mas que tem o efeito contrário em outras situações. Os legisladores não previram esta lacuna na lei, que está a ser aproveitada para baixar penas a criminosos já condenados.
De acordo com a sentença a que o "Periódico de Ibiza y Formentera" teve acesso, a decisão de libertar Adão foi tomada pelo tribunal em resposta a um pedido do advogado de defesa, que argumentou que, na altura, o arguido ratificou um acordo de cumprimento de seis anos, pena mínima à data da sentença proferida em junho de 2014. Tanto a acusação particular como o Ministério Público opuseram-se à revisão penal, mas o tribunal não acolheu os argumentos destes dois últimos.
Tal como o JN escreveu em novembro, quando uma nova lei é introduzida, pode ser aplicada retroativamente a criminosos condenados, se puderem beneficiar dela. Assim, em alguns destes casos, os advogados argumentaram que a nova lei estabelece penas mínimas mais baixas e que as penas originais deveriam, portanto, ser reduzidas.
Surpreendeu mulher na cama
Na madrugada de 23 de maio de 2013, o recluso invadiu uma casa no centro de Ibiza e, uma vez no interior, apoderou-se de relógios, de dispositivos tecnológicos e de várias joias, avaliadas em milhares de euros.
Segundo a acusação, o homem surpreendeu ainda a mulher na cama sozinha e, "com a intenção de satisfazer o seu desejo sexual", "agarrou-a pelo pescoço e tapou-lhe a boca". De seguida, intimidou-a para que não gritasse enquanto abaixava as calças e colocava o pénis na vagina. A vítima ainda tentou fugir e resistiu, mas sem sucesso.
Pelos roubos e pela agressão sexual, foi condenado a dez anos de prisão e a pagar a quantia de 20 895 euros a favor das vítimas.
"La Manada"
A nova legislação nasceu na sequência de um caso que ficou conhecido como "La Manada", ocorrido em 2016, em Pamplona (região de Navarra), quando cinco homens foram acusados de violação em grupo de uma rapariga de 18 anos durante as famosas festas 'Sanfermines'.
Os homens, com idades entre os 28 e os 31 anos na altura, foram condenados, em 2018, por abuso sexual (diferente de agressão sexual, estando a diferença relacionada com intimidação e violência), o que gerou polémica em Espanha e a saída à rua de diversos movimentos a exigir a proteção das vítimas de violações.
Com a nova "lei de garantia integral da liberdade sexual", o consentimento passa assim a ser o que define se houve ou não uma agressão sexual e já não se existiu intimidação ou se houve resistência da vítima à agressão. Embora as penas para crimes como violações coletivas tenham ficado mais rígidas, todos os condenados por agressão sexual com pena mínima de oito anos viram-na reduzida para seis, algo que não foi previsto pelo legislador, mas que está a ser aproveitado pelos advogados.