O presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, promulgou, esta quarta-feira, uma lei controversa que retira a autonomia às agências anticorrupção e causou manifestações no país e preocupações na União Europeia.
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"Regressou com a assinatura do presidente ucraniano", informou o site do parlamento ucraniano ao final da noite em referência ao projeto de lei, enquanto decorriam manifestações nas ruas de Kiev contra a promulgação.
Um alto funcionário ucraniano confirmou à AFP que Zelensky tinha assinado a lei, que subordina as atividades do Gabinete Nacional Anticorrupção (NABU) e do Gabinete Especializado Anticorrupção (SAPO) ao procurador-geral, que, por sua vez, está sob a tutela do presidente.
Segundo a agência AP, milhares de pessoas manifestaram-se contra a lei hoje em Kiev e noutras cidades da Ucrânia, na primeira grande manifestação contra o governo em mais de três anos de guerra desde a invasão russa em 2022.
Os deputados ucranianos aprovaram hoje a lei que elimina a independência das duas instituições responsáveis pelo combate à corrupção no país, na sequência da detenção de um ex-deputado e vários funcionários de uma dessas organizações.
O parlamento autorizou a subordinação das atividades por 263 votos contra 13 (e 13 abstenções).
As agências foram envolvidas numa alegada fuga de documentos secretos para os serviços de segurança russos, ação atribuída a um ex-deputado, Fedor Khristenko, que já foi acusado de alta traição.
Khristenko foi acusado de tentar influenciar o NABU a partir do estrangeiro através das suas ligações a alguns dos funcionários do gabinete, alguns dos quais já foram detidos, anunciou o Ministério Público.
Nas últimas horas, foram também realizadas buscas nas casas de vários familiares de Khristenko, onde foram encontrados documentos relacionados com investigações secretas conduzidas pelo NABU.
O Ministério Público sustenta que Khristenko foi recrutado pelo Serviço Federal de Segurança durante o Governo do ex-presidente Viktor Yanukovych e, desde então, tem passado informações confidenciais à Rússia e ajudado suspeitos de corrupção a fugir da Ucrânia.
Com a nova lei, o procurador-geral passa a ter acesso a todas as investigações do NABU e pode emitir novas instruções, encerrar casos e assinar pessoalmente acusações contra altos funcionários.
A lei aprovada remove também as funções do chefe do SAPO, um órgão independente da Procuradoria-geral que supervisiona os casos investigados pelo NABU — principalmente contra altos funcionários do Governo — que são depois encaminhados para o tribunal.
O responsável do NABU, Semen Krivonos, apelou a Zelensky para que não assinasse esta lei, alertando que a medida põe em risco a transparência e os compromissos anticorrupção com organizações como a UE.
Volodymyr Zelensky pronunciou-se pela primeira vez sobre estas medidas pouco depois de milhares de pessoas saírem à rua em várias cidades ucranianas, como Kiev, Lviv, Odessa e Dnipro, para denunciarem a orientação autoritária da lei e pedir-lhe que a vete, de acordo com a agência de notícias Efe. Estas foram as primeiras grandes manifestações anti-governamentais desde o início da invasão da Rússia, há mais de três anos.
“A infraestrutura anticorrupção funcionará, mas sem a influência russa”, declarou Zelensky, num discurso à nação publicado esta madrugada, aludindo à justificação dos Serviços Secretos Ucranianos (SBU) para as rusgas feitas ao Gabinete Nacional Anticorrupção (NABU), em que dois altos funcionários foram detidos por alegada colaboração com a Rússia.
Zelensky não mencionou explicitamente no discurso a lei aprovada pelo parlamento, na terça-feira, que, de acordo com muitos críticos, liquida a independência da NABU, mas apresentou um argumento para justificar a alteração legislativa.
"É claro que a NABU e o SAP [Gabinete Especializado Anticorrupção] vão funcionar. E é importante que o procurador-geral tenha a determinação de garantir que, na Ucrânia, o castigo para aqueles que vão contra a lei seja inevitável", disse Zelensky, lamentando a alegada apatia das agências de investigação para atuar em alguns casos. “Durante anos, os funcionários que fugiram da Ucrânia têm vivido no estrangeiro por alguma razão, em países muito bons e sem consequências legais, e isto não é normal”, acrescentou, referindo-se aos fugitivos ucranianos que encontraram refúgio noutros países, especialmente na Europa.
"Séria preocupação"
A Comissão Europeia manifestou hoje "séria preocupação" com a lei, referindo que estas são "cruciais" para a adesão da Ucrânia ao bloco.
A Comissária Europeia para o Alargamento, Marta Kos, manifestou em comunicado após a votação na Rada Ucraniana que "o desmantelamento de salvaguardas essenciais que protegem a independência do Gabinete Nacional Anticorrupção da Ucrânia é um sério retrocesso".
A comissária eslovena enfatizou que ter agências independentes é "essencial" no caminho da adesão à UE e que "o Estado de direito continua no centro das negociações de adesão".
Também hoje, em conferência de imprensa, o porta-voz de Bruxelas para o Alargamento, Guillaume Mercier, alertou para a situação das instituições anticorrupção na Ucrânia, sublinhando que são "cruciais" para o programa de reformas que aproximará o país da UE e que por isso devem operar "de forma independente" para combater a corrupção e manter a confiança dos cidadãos.
"A UE presta assistência financeira significativa à Ucrânia, condicionada ao progresso, à transparência, à reforma judicial e à governação democrática", insistiu Mercier.
Por conseguinte, reiterou que a entrada de Kiev na UE dependerá em grande parte da sua capacidade de combater a corrupção e de demonstrar força institucional, sublinhando que a UE irá monitorizar a situação e apoiar a Ucrânia nestes esforços.