No meio de tanta incerteza quanto ao desfecho do conflito na Ucrânia, há uma outra guerra que corre em paralelo e que parece estar a dar a vitória ao país invadido. Tudo por causa da máquina mediática criada por Volodymyr Zelensky, que aproveita todas as possibilidades da Internet para, praticamente ao minuto, falar diretamente aos corações das pessoas.
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Em tempo de guerra, é essencial ter em conta que os lados em conflito têm um outro arsenal poderoso e de difícil controlo, que é a Internet: a informação é divulgada e partilhada a uma velocidade vertiginosa e os próprios meios de comunicação social sentem mais na pele o risco da desinformação. Não são raros os casos em que as partes em conflito divulgam versões contraditórias sobre um mesmo assunto, como, por exemplo, os números de mortos, feridos e capturados entre os soldados.
Do lado russo, é sabido que a maior parte dos órgãos de comunicação social é controlada pelo Estado. E também é certo que o Facebook e o Instagram criaram restrições à televisão RT e à agência noticiosa Sputnik, ambas estatais, alegando que estariam a divulgar "fake news". Além disso, a Meta, empresa que gere as referidas redes sociais, já tinha cancelado dezenas de contas falsas, páginas e grupos que publicavam mensagens pró-russas e que recorriam a falsos jornalistas.
A uma escala maior, também a União Europeia está a bloquear as plataformas dos meios russos, alegando que não há lugar, no espaço digital europeu, para a propaganda de guerra do Kremlin. A Google e o Youtube fizeram o mesmo.
E o que nos chega da Ucrânia? Até ver, não há notícias de bloqueios aos meios digitais que Volodymyr Zelensky tem ao dispor.
As próprias organizações internacionais têm as suas cautelas quando libertam informação, como é o caso da ONU, que vai revelando o número de baixas entre os civis. Os dados mais recentes, divulgados pelo Alto Comissariado dos Direitos Humanos nesta quinta-feira, dão conta de 227 mortos, incluindo 15 crianças, e 525 feridos. Na contabilização anterior, anunciada na terça-feira, a porta-voz do Alto Comissariado, Liz Throssell, avisava: "Estes são as únicas baixas que conseguimos confirmar. A contagem real será provavelmente muito maior".
A Rússia pouco divulgou sobre as baixas desta guerra. E só na quarta-feira é que o fez, admitindo perto de 500 mortos entre os seus militares. Já a Ucrânia, através do Ministério da Defesa ou do próprio presidente, tem anunciado que milhares de soldados invasores já foram mortos. A contagem mais recente dá conta de nove mil. Números que os comentadores e especialistas que acompanham o conflito a partir de Portugal consideram pouco prováveis tendo em conta o que se conhece do poder bélico ucraniano, não obstante a fortíssima resistência do país.
A forma como a Ucrânia está a defender-se passa também (e muito) pela Internet. O homem que, na versão que passou nos cinemas ucranianos, emprestou a voz ao comovedor ursinho Paddington, nos dois filmes homónimos realizados por Paul King, já tinha uma larga experiência como comunicador antes de chegar à presidência, no ato eleitoral de abril de 2019. Até a campanha teve como palco principal as redes sociais.
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O antigo ator e comediante, que completou 44 anos há pouco mais de um mês, atualiza o seu Twitter em permanência, com publicações em inglês e ucraniano. Quando se entra no site oficial da Ucrânia, a língua é o inglês e, num título sobre o mapa do Mundo, está escrito "A Rússia invadiu a Ucrânia".
Além de notícias e de pedidos de ajuda, o site publica várias histórias dando conta do heroísmo do seu povo: o reformado Mykola Hryhorovych, residente na região de Chernivtsi, que doou as suas poupanças para "salvar o país"; o produtor Dmytro Revnyuk, que lidera um grupo de voluntários à procura de cães e gatos deixados em apartamentos em Kiev; ainda a história de Aurika, estudante de Medicina que permanece no subsolo a ajudar quem precisa de cuidados de saúde, também na capital.
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Mas nem tudo é verdadeiro no lado ucraniano desta guerra mediática. Desde logo, o "fantasma" de Kiev, que, aos comandos de um MIG-29, teria abatido cinco aviões e um helicóptero russos. A história não passava, afinal, de um videojogo. Mas, ainda assim, o site oficial da Ucrânia mantém o relato deste suposto herói. Também os militares dados como mortos na ilha de Zmiinyi e o ato de patriotismo que teriam protagonizado foram notícia. Mais tarde, o Governo admitiu que, afinal, estavam vivos.
Seja como for, Volodymyr Zelensky percebeu cedo a importância de aparecer nas televisões e nas redes, ambientes que bem conhece. Divulga vídeos com regularidade (no início, serviam como prova de vida) e atualiza as publicações do Twitter e do Facebook ao minuto. Recentemente, concedeu uma entrevista à CNN e à agência noticiosa Reuters e, também nessa ocasião, apareceu com a habitual t-shirt verde-tropa. Olena Zelenska, a esposa, tem igualmente feito apelos à mobilização do país através das redes.
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Do lado russo, tem sido evidente a contradição entre os alvos anunciados pelo Kremlin e o que se passa na realidade. Diziam as altas patentes de Putin que iriam cingir os ataques a pontos estratégicos, como edifícios militares ou de instituições políticas ou administrativas. Se fosse verdade, não teriam atingido uma torre de televisão em Kiev, nem prédios residenciais em várias cidades, nem hospitais.
A presença do Kremlin nas redes é frouxa e alimenta-se a ritmo lento. Nos meios de comunicação controlados, conta-se a história que se sabe. Mas Vladimir Putin não se livra das imagens que correm Mundo através dos meios de países democráticos: imagens da devastação, do sangue derramado, da repressão que a polícia exerce sobre manifestantes pacíficos um pouco por toda a Rússia. Como foi o caso de uma velhinha de 77 anos, detida num protesto contra a invasão na cidade de S. Petersburgo. Putin também não se livra do facto de ter publicamente a cabeça a prémio - o empresário russo Alex Konanykhin já veio oferecer um milhão de dólares a quem o capture como "criminoso de guerra".