No domingo, cerca de 100 pessoas emergiram da escuridão dos túneis e abrigos subterrâneos da fábrica de Azovstal, em Mariupol. Rodeados pelos escombros da guerra, alguns viram a luz do dia pela primeira vez em dois meses.
Corpo do artigo
"Não via a luz do sol há tanto tempo", disse Natalia Usmanova, uma das cerca de 100 pessoas resgatadas, no domingo, das entranhas da destroçada fábrica da Azovstal, em Mariupol. Cerca de mil civis continuam a sobreviver neste complexo industrial da era soviética, onde está, também, o último reduto da resistência ucraniana naquela importante cidade estratégica, o conhecido batalhão de Azov, com ligações à extrema-direita.
A falta de luz solar e as consequências que o isolamento na escuridão têm para a saúde humana são apenas um dos problemas retratados. Do relato desta sobrevivente percebe-se como tudo foi difícil - a falta de oxigénio, de comida, de dignidade.
"Até disse ao meu marido. Agora não vamos precisar de lanterna para ir à casa de banho", contou Usmanova aos jornalistas a partir da aldeia de Bezimenne, numa zona de Donetsk controlada pelos separatistas pró-russos, a cerca de 30 quilómetros de Mariupol. Tinha acabado de sair de um dos autocarros da missão conjunta da ONU e da Cruz Vermelha que retirou cerca de 100 civis daquele complexo industrial.
Natalia Usmanova trabalhou toda a vida na Azovstal. A casa que lhe deu o pão, foi a mesma que lhe abrigou a vida, nos últimos dois meses. A tremer de medo num "bunker", que abanava a cada bomba russa despejada sobre aquelas instalações.
"Vivi lá, trabalhei lá toda a minha vida, mas o que vi lá foi absolutamente terrível", contou Usmanova. "Não conseguem imaginar o que passámos - o terror", acrescentou a ucraniana. Entre lágrimas, mãos a cobrir o rosto, olhos agredidos pela luz solar, recuou até aos túneis da Azovstal, para que a imagem destes dois meses seja mais vívida para quem os viveu à distância dos mísseis e das bombas russas.
"Temia que o abrigo não resistisse - tinha um medo terrível", disse Usmanova, que sobreviveu no sistema de túneis e de "bunkers" que se estendem por baixo dos 10 quilómetros quadrados da Azovstal. Um do complexo industrial, com cerca de um quarto do tamanho da cidade do Porto, fundado no tempo em que Estaline comandava a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS).
"Quando o abrigo começava a abanar ficava histérica, o meu marido pode comprovar isso. Tinha tanto medo de ficar soterrada", recorda Usmanova. O medo de sufocar debaixo dos escombros era permanente, sentido todos os dias pela falta de oxigénio nos abrigos que, acredita, amputou a esperança de vida das pessoas que lá têm sobrevivido.
Cerca de mil civis continuam enclausurados naquela complexo industrial. Há cerca de 15 dias, um dos combatentes ucranianos refugiados na Azovstal fez um retrato da sobrevivência naquela fábrica. "Temos mortos e feridos nos bunkers", dizia.