Brasileiros dominam e os estabelecimentos de ensino reinventam-se para acolher alunos que não falam português. Em dois anos, o número de imigrantes subiu 47%.
Corpo do artigo
Em dois anos, aumentou 47% o número de crianças e de jovens estrangeiros a estudar em Portugal. O Ministério da Educação dá conta de que, no ano letivo 2017/2018, havia 56 574 estudantes internacionais matriculados em escolas nacionais. No ano letivo de 2019/2020, as inscrições em estabelecimentos de ensino foram 83 307. Os números não incluem a frequência do ensino universitário nem de adultos.
Há ainda crianças com cidadania portuguesa, mas que, por terem vivido no estrangeiro e por terem frequentado escolas noutros países, não falam nem escrevem português. "Estamos a assistir ao regresso de muitos emigrantes com filhos em idade escolar que, sendo portugueses, têm de frequentar aulas de Português Língua Não Materna, porque, nos países onde cresceram, nunca tiveram aulas na língua materna", referiu Cristina Fontes, professora e coordenadora de Português Língua Não Materna. Os alunos brasileiros dominam, mas está a aumentar o número de estudantes da China, do Paquistão, da Índia, do Nepal e da Venezuela. "Ainda não há números concretos sobre a matrícula destes alunos no ano letivo de 2020/2021, mas existe a convicção de que há um forte crescimento", disse fonte da Direção-Geral de Educação.
Sinalética noutras línguas
Há escolas onde a necessidade de comunicar com os alunos estrangeiros obrigou a que toda a sinalética no interior do estabelecimento de ensino seja feita em várias línguas. "Todas as indicações sobre os serviços, as salas, o bar, cantina, as casas de banho e a biblioteca estão escritos em bengali, nepalês, inglês e português", explicou Maria de Jesus Carvalho, diretora do Agrupamento de Escolas Virgínia Moura, em Guimarães.
A escola está localizada perto de uma empresa de produção de frutos vermelhos onde trabalham muitos imigrantes. "Temos 33 alunos de fora da União Europeia e 30 de países europeus a frequentar a escola. No total, 17% dos nossos alunos estão a aprender a falar português", salientou, ainda, a diretora. Para estes estudantes, o Ministério da Educação criou medidas de apoio à aprendizagem da língua portuguesa através da oferta da área curricular de Português Língua Não Materna nos 1.º, 2.º e 3.º ciclos do Ensino Básico, nos cursos científico-humanísticos e nos cursos profissionais.
Desta forma, "pretende-se assegurar a igualdade de oportunidades a todos os alunos com outra língua materna que não o português ou cuja língua de escolarização não tenha sido o português, através da criação de condições equitativas de acesso ao currículo e ao sucesso educativo, independentemente da sua língua, cultura, condição social, origem e idade", afirma o gabinete do ministro Tiago Brandão Rodrigues.
A indicação do ministério é de que sejam criados grupos, no mínimo, com dez alunos para facilitar a aprendizagem. "É aqui que começam os problemas", explica Cristina Fontes. "Dificilmente, as escolas conseguem criar grupos de 10 alunos aquando da formação de turmas, pois, nessa altura, não se sabe quantos alunos estrangeiros irão frequentar a escola, em que opções ou cursos se irão matricular e em que nível de proficiência linguística irão ser incluídos", finaliza a especialista.
REPORTAGEM
Recreios das Escolas Alberto Sampaio juntam 25 nações
Agrupamento tem 321 estudantes internacionais e o êxito do ensino de português leva a que investigadores e profissionais especializados a escolham para os seus filhos
Novos pratos na ementa da cantina e um local para os alunos rezarem são alguns dos projetos que João Andrade, diretor do Agrupamento de Escolas Alberto Sampaio, em Braga, está a avaliar. Dos 321 alunos estrangeiros que frequentam o agrupamento, há 25 nacionalidades tão diversas como o Brasil, Angola, Moçambique, Espanha, Venezuela, Itália, Ucrânia, Zâmbia, África do Sul, Estados Unidos, Bélgica, Camarões, Egito, França, Lituânia, Luxemburgo, Mónaco, Mongólia, Paquistão, Porto Rico, Roménia, Suíça, Suriname, Turquemenistão e Turquia.
"Os alunos portugueses estão em maioria e representam 90 % dos estudantes do agrupamento, mas os alunos que não falam português são cada vez mais", disse, ao JN, o diretor.
Testes são mais difíceis
Lucien e Brenda são irmãos, naturais dos Camarões. Falam francês entre eles e frequentam as aulas de Português Língua Não Materna. "Estou a aprender, mas é muito difícil saber o que fazer nos testes, porque as instruções estão todas em português", confidencia Lucien, que vive em Braga com a família, ao abrigo de um programa de acolhimento de refugiados.
Devido ao sucesso do ensino de Português Língua Não Materna e da localização, o agrupamento recebe os filhos de professores e investigadores da Universidade do Minho, de profissionais especializados colocados em empresas da região, de trabalhadores de diversos call centers e de emigrantes que, de uma forma geral, procuram uma vida melhor.
Maria Luísa Zupirolli nasceu no Brasil e vive em Braga há poucos meses. Fala português, mas tem aulas de Português Língua Não Materna. "Falamos a mesma língua, mas de forma muito diferente", refere.
Depois do deslumbramento de ver "uma escola pública tão boa, tão bonita, tão limpa e com tantas coisas", Luísa percebeu que tinha de "compreender melhor a língua" para conseguir entender os enunciados dos testes. "A colocação dos pronomes é mesmo o meu maior problema".
Na Alberto Sampaio, professores e funcionários comunicam como conseguem com os alunos. Entre português, inglês, francês e até por gestos, os estudantes compreendem as informações. A escola está a preparar um glossário em várias línguas com informações e palavras essenciais para a escola e para as disciplinas.
Disciplinas como Matemática já têm uma pequena lista com termos técnicos e operações explicadas noutras línguas, para além do português. Para ajudar na integração, os alunos portugueses são mentores dos estrangeiros. Jorge Marques, professor de Geometria Descritiva, já não sabe mais o que fazer para traduzir o vocabulário técnico. "Os alunos dizem-me que o conteúdo da disciplina lecionada em Portugal no Secundário é igual ao conteúdo do que se ensina na universidade noutros países", refere. A necessidade de encontrar vocabulário técnico noutras línguas levou o docente a procurar livros noutros países, mas sem sucesso.