Norte e Algarve compensam falta de camas em Lisboa. Paliativos ajudam na despedida dos casos terminais.
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A pressão hospitalar tem levado a que muitos doentes com covid-19 acabem por ser transferidos para serem tratados a centenas de quilómetros de casa. Um levantamento feito pelo JN junto de alguns dos maiores centros hospitalares detetou quase 300 doentes que, desde o início do ano, tiveram que mudar de hospital. Houve muitos que não regressaram.
A maioria foi enviada pelos hospitais da região de Lisboa, a braços com a falta de capacidade de internamento. No Hospital de S. João, no Porto - que quarta-feira recebeu mais 15 doentes do Hospital Doutor Fernando Fonseca (Amadora-Sintra) e na sexta-feira outros dois de cuidados intensivos, um do Egas Moniz e outro do Amadora-Sintra -, contam-se "mais de 100 doentes com covid 19 de áreas de referência de outros hospitais".
Além do Amadora-Sintra e do Garcia de Orta, em Almada, o S. João também acolheu transferências de unidades mais próximas, como dos hospitais de Braga e de Guimarães, entre outros. No Santo António, também no Porto, os números dão conta de 30 doentes transferidos, três de hospitais de Lisboa, e o Centro Hospitalar de Gaia/Espinho já recebeu mais de 20, a maioria do Amadora-Sintra.
No Algarve, os doentes transferidos são tratados na Arena de Portimão, que entrou em funcionamento a 10 de janeiro. O pavilhão já recebeu 81 doentes de fora, 14 encaminhados pela Administração Regional de Saúde do Alentejo e 67 de Lisboa e Vale do Tejo.
O Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra (CHUC) recebeu 44 doentes desde dezembro de 2020, mas não da região de Lisboa, apenas do Norte e do Centro. Mais concretamente, dos hospitais de Aveiro, Braga, Castelo Branco, Leiria, Santa Maria da Feira, Figueira da Foz, Guarda e Viseu.
Decisões difíceis
Destes hospitais, apenas dois revelaram quantos dos doentes transferidos morreram longe de casa. No Gaia/Espinho, registou-se um óbito, no CHUC faleceram 13.
Quando os médicos consideram que a situação é terminal, são as equipas de cuidados paliativos que entram em ação e tentam minorar o sofrimento também junto das famílias.
No S. João, sempre que se percebe que o caso é terminal, "é facilitada a visita de alguém importante para a pessoa", garante Edna Gonçalves, diretora do serviço de Cuidados Paliativos.
A prática não é nova, mas agora há o problema da distância geográfica. "Temos uma senhora que foi transferida de Lisboa e Vale do Tejo por falta de vagas e o prognóstico é muito complicado. Liguei para as filhas e elas vêm ver a mãe", explicou a médica.
Os médicos dividem o tempo entre os cuidados ao doente e os esclarecimentos à família - pelo menos um telefonema por dia.
"É sempre complicado as pessoas não poderem estar perto e agora há mais esta distância", prossegue, destacando que existe também a questão da deslocação do corpo que terá de ser transferido para a área de residência. "São complicações acrescidas e vamos tentar ajudar o mais possível".
Se, por um lado, o trabalho com as famílias tem sido reforçado, também os médicos dos cuidados paliativos têm sido mais vezes chamados à tomada de decisões sobre doentes em fase terminal.
"Se um doente inicia oxigénio de alto fluxo, ou ventilação não invasiva, às vezes discutimos sobre se faz sentido manter essas terapêuticas para prolongar uma vida que já era muito dependente. Estamos a falar muitas vezes de doentes com demências muito avançadas", conta.
Hospitais devem assegurar transporte dos que morrem
Deveriam ser os hospitais que enviam os doentes para outras unidades a responsabilizar-se pelo transporte do cadáver, quando aqueles não sobrevivem.
Mas essa obrigação não está legislada, o que a deixa ao critério de cada instituição. O Amadora-Sintra, que teve um doente falecido em Gaia, assumiu o transporte de regresso. Fonte hospitalar explicou ao JN que o transporte tem de ser feito por uma agência funerária.
O Instituto de Segurança Social revelou que não está prevista nenhuma verba para as famílias que tiverem de custear o transporte. Mas o valor pode ser incluído nas despesas de funeral, que recebem um subsídio de 1316 euros.