O concurso nacional para colocação de recém-especialistas em Medicina Geral e Familiar nos centros de saúde ficou com 37% das vagas vazias, num total de 160. Dos 379 candidatos, 107 desistiram. A associação que representa as Unidades de Saúde Familiares e o Sindicato Independente dos Médicos lamentam os resultados, mas dizem que eram muito previsíveis. Pôr médicos sem especialidade nos centros de saúde a receber mais do que os especialistas será "a última pedra".
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Os números foram avançados, esta tarde de quinta-feira, secretária de Estado da Saúde. Maria de Fátima Fonseca informou, durante uma audição na Comissão de Saúde, que foram colocados 272 médicos no âmbito do referido procedimento concursal, o que corresponde 63% do total de vagas abertas.
"Temos, neste momento, prontos para serem colocados 272 novos médicos de Medicina Geral e Familiar no sistema, o que corresponde a um incremento expressivo de utentes com médico de família", afirmou Fátima Fonseca.
O concurso abriu 432 lugares, para os quais se candidataram 379 médicos de família. Porém, as desistências bateram recordes: 107.
"As nossas piores previsões confirmaram-se", refere o secretário-Geral do Sindicato Independente dos Médicos (SIM).
E o cenário ainda pode piorar com as saídas no período experimental. "Normalmente, cerca de 5% saem poucos meses depois de começarem a trabalhar, insatisfeitos com as condições", alerta Jorge Roque da Cunha.
As desistências ocorrem à medida que as colocações vão sendo efetuadas e os lugares mais interessantes são ocupados. Os candidatos são ordenados por classificação final numa listagem que determina quem tem prioridade nas escolhas. O melhor classificado escolhe entre todas as vagas, o segundo melhor entre todas menos a selecionada pelo primeiro candidato e por aí em diante.
"Quando chega a vez de um candidato e já não há vaga no sítio que quer, desiste", explica, ao JN, André Rosa Biscaia, presidente da USF-AN. Desistir significa abandonar, pelo menos por um ano, o projeto do SNS, onde se formaram, e optar pelo privado ou estrangeiro.
Para a USF-AN há várias razões por que o atual concurso não resolve as carências instaladas. Refira-se que, de acordo com os últimos números oficiais, em maio havia 1,4 milhões de utentes sem médico de família, dos quais quase um milhão na região de Lisboa e Vale do Tejo.
682 médicos de família podem reformar-se este ano
As vagas abertas (432) já não eram suficientes para cobrir as carências de médicos de família, ou seja, se fossem todas ocupadas só resolveriam 65% do problema atual. Mas, além de todas as que vão ficar por ocupar, a situação tende a agravar-se porque este ano "entram em idade de potencial reforma mais 682 médicos de família".
Para André Rosa Biscaia, os problemas começaram há muitos anos, quando se criaram quotas para a criação de USF de modelo A e B. O travão retirou perspetivas de futuro e os médicos começaram a procurar alternativas fora do SNS.
"Rude golpe" na especialidade
E o pior está para vir, assegura. A decisão do Governo de contratar médicos sem especialidade para fazerem o trabalho de médicos de família "é a última pedra". "Vão pagar mais 30% a quem não tem especialidade", frisa o médico, classificando a medida como "um rude golpe no esforço colocado na diferenciação dos médicos de família já formados e naqueles que estão agora a fazer a especialidade".
De resto, acrescenta André Biscaia, a decisão terá impacto na saúde dos portugueses e na Economia porque um médico sem a especialidade "cometerá mais erros e será menos eficiente na prescrição de medicamentos ou meios complementares de diagnóstico e na referenciação para os cuidados hospitalares ou serviço de urgência".
Para o presidente da USF-AN, os incentivos para atrair médicos de família "funcionam, mas não chegam". De acordo com a Lei do Orçamento do Estado 2022, os especialistas que aceitarem ocupar vagas em centros de saúde com uma taxa de cobertura de médico de família inferior à média nacional recebem mais 60% da remuneração base.