Eurodeputados contam como é que os partidos se têm organizado no Parlamento Europeu, sem medo da polémica.
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Na Europa, tem havido uma cultura política de impedir que a extrema-direita ganhe relevância, uma higienização que se estende ao Parlamento Europeu (PE). Ana Gomes e Rui Tavares, antigos eurodeputados, e José Manuel Fernandes, atual chefe de delegação do PSD no PE, contaram ao JN as estratégias adotadas para lidar com a extrema-direita. Acordos informais afastam negociações e impedem que essas forças consigam cargos de liderança. A prática é antiga e tem um nome: cordão sanitário, ou "cordon sanitaire", em francês.
Já é longa a presença da extrema-direita no PE. Jean-Marie LePen foi eurodeputado de 1984 até 2019. O grupo de extrema-direita Identidade e Democracia foi fundado em 2015 e atualmente tem 67 deputados.
Os antigos eurodeputados Rui Tavares e Ana Gomes recordam um episódio que remonta a 2009. Nesse ano, seguindo a tradição de ser o deputado mais velho a presidir à sessão inaugural, seria LePen, com 80 anos, a presidir à primeira sessão do PE. Contudo, através da alteração do regulamento interno, o deputado da extrema-direita foi impedido de presidir à sessão. "Havia uma cultura de os partidos democráticos - de Esquerda, Centro e de Direita -, defenderem os valores fundamentais da democracia e do Estado de direito. É algo bastante adquirido na cultura" do PE, acrescentou Tavares.
Ana Gomes, eurodeputada entre 2004 e 2019, lembra que a estratégia passava por impedir que deputados de extrema-direita "assumissem posições nas comissões" e até de "chefia de missões e delegações". Estes "partidos que fazem todo um discurso dizendo-se antissistema não podem, de facto, representar o sistema", defende. "Havia um entendimento entre o meu grupo político [S&D] e até o PPE para, justamente, não os deixar passar", sublinhou. Um acordo "informal, mas que funcionava". Um entendimento que se estendia até à Direita mais conservadora, lembrou Rui Tavares.
Cordão mantém-se
José Manuel Fernandes confirma que o acordo ainda se "mantém". Há cerca de um mês, disse, voltou a haver eleições para a presidência e vice-presidência do PE. "E seguiu-se essa mesma tradição", conta. O Chega, à semelhança dos seus congéneres, vai tentar "criar um máximo de polémica" no Parlamento português, considera José Manuel Fernandes. Não se deve "contribuir para polémicas estéreis", defende. "As pessoas devem agir em consciência, sem terem medo da vitimização ou das polémicas que a Extrema-Direita possa criar", acrescentou Rui Tavares.
Segundo o regimento da Assembleia da República (AR), e enquanto terceira força política, o Chega tem direito a submeter um nome para ser sufragado para vice-presidente da AR. "Esse candidato não passa automaticamente, não é automaticamente consagrado, depende da votação dos seus pares", assinalou Ana Gomes.
Ana Catarina Mendes, do PS, considera que "não é exigível a um democrata que possa votar em alguém que esteja contra a democracia", disse na CNN. BE, PCP e Livre já fizeram saber que estão contra a eleição de Diogo Pacheco de Amorim para vice-presidente da AR, candidato do Chega que, tudo indica, não será eleito.
A prática não é inédita. Na Alemanha, em 2019, os deputados uniram-se para impedir que a extrema-direita alcançasse a vice-presidência do Bundestag. A AfD, então terceira força política, viu um candidato seu ser rejeitado para vice-presidente do Parlamento alemão.