A jogar em casa, Ventura ofusca Tânger, pressiona Governo e deslumbra os mais novos
O local da arruada é duplamente simbólico: foi em Algueirão-Mem Martins que André Ventura nasceu e foi nessa freguesia que, nas legislativas, o Chega teve mais votos a nível nacional.
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No entanto, a ação de campanha que o partido fez esta segunda-feira foi pouco mais que um número televisivo: juntou pouca gente – sendo que boa parte eram deputados – e ocorreu ao início da tarde, uma hora "morta" nesta freguesia-dormitório de Lisboa.
Ventura ofuscou totalmente o cabeça de lista, Tânger Corrêa – chegou até a corrigi-lo – e saudou a "aproximação" do Governo ao Chega sobre imigração, instando a AD a ir mais longe. Junto à escola onde estudou, foi ovacionado por jovens em êxtase, transformando uma arruada apática num momento de afirmação da sua "persona" política.
"Quero saudar o volte-face que o Governo teve face ao que o Chega diz há muito tempo, de só deixar entrar em Portugal quem tem visto de trabalho", afirmou Ventura. "É uma grande vitória do Chega", reforçou.
O deputado pôs mesmo a hipótese de AD e Chega elaborarem "um grande pacote anti-imigração" (corrigiu depois para “regulação da imigração"). Contudo, avisou que tal só ocorrerá se o Governo aceitar "limitar os apoios sociais a quem está há cinco anos em Portugal".
Líder corrige cabeça de lista sobre Costa
Pouco antes de a ação de campanha começar, pelas 12.30 horas, quase não havia ninguém na Rua Francisco Sá Carneiro – o fundador do PSD de quem Ventura disse um dia sentir-se "herdeiro". A exceção era um grupo de operários imigrantes que fazia reparações no pavimento.
Dois dos únicos apoiantes que já estavam no local, um homem e uma mulher, iam conversando sobre "os ciganos" – que, segundo o homem, "não se portam como devem". A mulher concordou: "O meu Facebook passa a vida a ser bloqueado, tenho lá cada vez menos amigos. Mas ninguém me cala".
Tânger Corrêa foi dos primeiros a chegar, de forma discreta. Enquanto esperava por Ventura, foi falando com populares. Uma das mais incisivas foi uma idosa, que se dizia "farta e cansada deste país": "Só os senhores podem ter mão nisto", afirmava, lamentando que Portugal não seja como a Finlândia, onde "não há corrupção".
Tânger falou brevemente aos jornalistas para explicar que, afinal, ao contrário do que dissera na véspera, não acha que António Costa tenha assim tão bom perfil para o Conselho Europeu. Mal apareceu, Ventura reforçou isso mesmo, para que não restassem dúvidas: Costa foi "um desastre" e, caso vá para a Europa, as instituições arriscam-se a cair "por causa de um caso de corrupção".
A tímida comitiva desceu depois a rua, agitando bandeiras e gritando "Chega! Chega!". Quando se ensaiou outro cântico não foi para enaltecer o cabeça de lista, mas sim o líder: "Ventura, vai em frente, tens aqui a tua gente", ouviu-se. Alguém se apercebeu da "gaffe" e substituiu "Ventura" por "Tânger", mas depressa a palavra de ordem esmoreceu.
Jovens ovacionam líder do Chega: "Conhecemos outros políticos, mas preferimos o Ventura"
A arruada valeu pela ovação final ao líder, junto à Escola Ferreira de Castro. A notícia da presença de Ventura correu rápido e, num ápice, dezenas de crianças apareceram a saudá-lo, em apoteose, encostadas às grades. Uma delas passou uma bola de futebol ao líder do Chega, que deu uns toques e a devolveu, de cabeça, à segunda. "O Ventura tocou na minha bola, vou guardá-la para sempre", exclamou o jovem.
Do lado de cá do gradeamento, o JN questionou um grupo de crianças sobre se conheciam outros políticos. Uma rapariga do 7.º ano respondeu: "Conhecemos, mas preferimos o Ventura". Noutro grupo, de seis crianças entre os 12 e os 13 anos, alguém tentou lembrar-se de outro político, mas sem sucesso: "Antóniooo... ai, como é que era?". Nenhum dos outros se recordava.
Perguntámos quem é o primeiro-ministro, alguém respondeu "Marcelo". Uma jovem – que, por três vezes, implorou que o jornalista do JN lhe desse uma bandeira do Chega – ficou mais perto da verdade, mas não foi além de um "André Monten... não, não é André". A custo, o grupo lá chegou a Luís Montenegro.
No final, uma apoiante do Chega desabafou: "Esta arruada desiludiu-me". A verdade, contudo, é que Ventura não só marcou a agenda sobre imigração como foi ovacionado por meia escola. A julgar pela pequena amostra, o Chega tem o futuro garantido junto dos eleitores de amanhã.