Com um problema de saúde grave, uma utente do Hospital de Braga aguardava em setembro do ano passado, há quase dois anos por uma consulta de apoio à fertilidade. Uma "saga" denunciada à reguladora da Saúde, que revela as dificuldades do SNS com recursos humanos.
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A 26 de setembro do ano passado, 148 mulheres daquele hospital engrossavam a lista para primeira consulta de fertilidade, com tempo médio de espera de 228 dias. Para os homens havia 12 pedidos de consulta, com uma espera média de 195 dias.
Os dados constam de um processo da Entidade Reguladora da Saúde (ERS), que esta terça-feira divulgou as deliberações relativas ao quarto trimestre de 2022.
Em dezembro de 2020, a utente que reclamou para a ERS foi referenciada para uma primeira consulta de apoio à fertilidade no Hospital de Braga para analisar a possibilidade de recorrer à procriação medicamente assistida. Tinha sido diagnosticada com endometriose profunda, uma doença crónica grave que dificulta a gravidez.
A consulta foi agendada para 28 de fevereiro de 2022, mais de um ano depois. Mas o pior estava para vir.
Chegado o momento, a consulta foi desmarcada no próprio dia. E reagendada vezes sem conta, sem sucesso.
"A referida consulta foi sucessivamente reagendada para 18 de abril de 2022, 30 de maio de 2022, 1 de junho de 2022 e 18 de julho de 2022, data em que [a utente] recebeu nova comunicação a informar que a consulta agendada para aquela última data fora cancelada, sem novo reagendamento", pode ler-se nas deliberações da Entidade Reguladora da Saúde, relativas ao quarto trimestre de 2022, divulgadas esta terça-feira.
Nas alegações do hospital, percebe-se a dificuldade de recursos humanos, nomeadamente de especialistas em Ginecologia/Obstetrícia.
Consultas adiadas para segurar a urgência
Recorde-se que a falta de médicos motivou o encerramento da urgência de obstetrícia de Braga em vários momentos do primeiro semestre de 2022. E para manter a urgência aberta descuraram-se as consultas.
"Por vários constrangimentos no serviço, foi necessário ao longo do ano reagendar inúmeros períodos de consulta de forma a atender ao serviço de urgência. Desta forma, as desmarcações referentes a 30 de maio e 18 de julho de 2022 devem-se à saída da Dra. [...] e ao facto de, no imediato, não haver possibilidade de afetar um outro médico para esta consulta", justificou o hospital.
A 31 de agosto, em resposta à reguladora, o Hospital de Braga alegava que ainda não tinha conseguido contratar recursos, pelo que não conseguia fazer uma previsão de agendamento de primeiras consultas de apoio à fertilidade.
No parecer da ERS, pode ainda ler-se que o Hospital de Braga pediu à Administração Regional de Saúde (ARS) Norte que, face aos constrangimentos, para encaminhar as utentes para consultas no Hospital de Guimarães, mas a sugestão não foi acolhida.
"A suspensão das referidas consultas teria um efeito negativo na lista de espera do Hospital da Senhora da Oliveira, também carenciado de recursos", argumentou a ARS Norte.
Como decisão final, a reguladora instaurou um processo contraordenacional ao Hospital de Braga por incumprimento dos tempos máximos de resposta garantidos e endereçou uma recomendação à Administração Regional de Saúde do Norte para implementar mecanismos que garantam o direito de acesso às consultas de fertilidade.
O JN contactou o Hospital de Braga para perceber se, entretanto, a consulta foi realizada ou se há nova data de agendamento, encontrando-se a aguardar resposta.