O Tribunal de Contas aponta, em auditoria divulgada esta quinta-feira, várias falhas ao SNS no acesso de utentes a cuidados de saúde oncológicos. A pandemia teve impacto nas atividades de prevenção, rastreio, diagnóstico e tratamento de vários tipos de cancro, mas não explica todas as fragilidades. Os auditores recomendam que os serviços de monitorização dos utentes no SNS sejam atualizados e melhorados.
Corpo do artigo
O relatório do Tribunal de Contas vem confirmar um panorama há muito denunciado por especialistas: diagnósticos de cancro e cirurgias oncológicas atrasadas, rastreios por realizar e pouca monitorização do impacto causado no SNS desde que a covid-19 apareceu em Portugal e no Mundo. Os auditores apontam, por exemplo, que "o acesso à cirurgia oncológica degradou-se, entre 2017 e 2020, com uma cada vez maior proporção das cirurgias a ultrapassar os Tempos Máximos de Resposta Garantidos".
Os números não deixam mentir. Após "sucessivos anos de crescimento", lê-se no documento, o número de utentes referenciados para uma cirurgia oncológica "decresceu 4,8% em 2020, passando de 54 365 utentes em 2019 para 51 758 em 2020". Apesar de a realidade ser transversal a todas as regiões do país, a diminuição de inscrições para intervenções cirúrgicas é mais impactante, "em termos relativos", no Algarve (menos 22,2%) e no Alentejo (menos 17,4%).
14559520
Em números absolutos, são Lisboa e Vale do Tejo e o Norte a registar menos inscritos para cirurgia oncológica, de 2019 para 2020. São menos 974 utentes e menos 767 utentes, respetivamente. Uma situação que leva o Tribunal de Contas a determinar que se verifica uma "existência de assimetrias regionais significativas". Todo o país sofre o impacto do menor acesso aos cuidados de saúde oncológicos, mas para alguns as consequências são maiores.
Mesmo com o crescimento da atividade cirúrgica no SNS, entre 2017 e 2020, em 4,8%, o número "não foi suficiente para fazer face ao acréscimo verificado na procura (6%)", clarificam os auditores. As consequências tornaram-se visíveis no aumento das listas de espera e nos tempos médios de espera das cirurgias realizadas. Entre 2019 e 2020 ocorreu um aumento da média nacional do tempo de espera para cirurgia oncológica, de 36,4 dias para 37,8 dias. O Algarve teve o tempo mais elevado: 46,7 dias.
Rastreios muito aquém das metas
Quanto aos programas de rastreio, o Tribunal de Contas diz ter havido uma "quebra da execução" em 2020, o primeiro ano da pandemia. A situação foi particularmente gravosa em três meses: março, abril e maio. "As taxas de adesão dos utentes mantiveram-se estabilizadas, face a anos anteriores, pelo que a diminuição da atividade resultou da menor oferta do SNS", revelam. Relativamente a 2019, houve menos 276 468 mulheres a ser convidadas a realizar o rastreio ao cancro da mama no ano seguinte.
Os números também ficam muito aquém do previsto noutros tipos de cancro. Sobre o rastreio do cancro do colo do útero, em 2020, somente 22% da população elegível foi convidada a realizar o teste. Foram 126 250 mulheres, o que ficou aquém da "meta estabelecida para 2020, de cobertura populacional de 75%".
Para realizar a auditoria de resposta do SNS a doentes oncológicos, nem sempre foi fácil ter dados. O Tribunal de Contas aponta em comunicado que as limitações não permitiram "concluir objetivamente sobre o impacto da pandemia" no acesso à primeira consulta hospitalar na área da oncologia. Contudo, os dados parcelares da atividade dos Institutos Portugueses de Oncologia (IPO) mostram "uma redução nos novos pedidos de consulta, a diminuição da atividade e o aumento dos tempos médios de espera, entre 2019 e 2020".
14650818
A título de exemplo, "as consultas prioritárias e muito prioritárias aumentaram de 2019 para 2020" nos três IPO, mas houve uma redução significativa nas consultas referenciadas como "prioridade normal". Houve menos de cerca de 1500 consultas, o que representa uma diminuição de 25% entre os dois anos. Neste nível de prioridade ("normal"), houve ainda um aumento substancial do tempo médio de espera. Veja-se o caso do IPO de Lisboa, que passou de 42,4 dias de espera em 2019 para 66,1 dias em 2020. São mais de 20 dias de espera.
Perante os números, o Tribunal de Contas recomenda "a aprovação, publicação e implementação de um plano quantificado e calendarizado de recuperação da atividade não realizada". No entanto, os auditores não deixam de salientar as falhas nos sistemas de informação e monitorização dos utentes do SNS. O caso é particularmente evidente no Sistema Integrado de Gestão do Acesso (SIGA SNS), criado em 2017, e que continua sem a respetiva regulamentação das suas várias componentes, como o SIGA Urgência ou o SIGA 1.ª Consulta Hospitalar. Em resultado das limitações, "permanecem por apurar e monitorizar vários indicadores relativos ao acesso a cuidados oncológicos".