Quatro em cada dez convocadas não aderiram. No Sul, exame foi alargado aos distritos de Lisboa e Setúbal em 2021: só 26% compareceram. Mais de 2 mil casos encaminhadas para diagnóstico.
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A adesão ao rastreio do cancro da mama no Norte baixou no ano passado: quatro em cada dez mulheres convocadas não compareceram ao exame gratuito da Liga Portuguesa Contra o Cancro (LPCC). Na Região Sul, incluindo os distritos de Lisboa e Setúbal - onde o rastreio apenas arrancou em fevereiro de 2021 -, só uma em cada cinco mulheres chamadas realizou a mamografia. Das quase 280 mil mulheres rastreadas nas duas regiões, 2219 (1697 no Norte e 522 no Sul) foram encaminhadas para diagnóstico ou tratamento no hospital, número que está a aumentar.
Na Região Norte, das 297 727 utentes entre os 50 e os 69 anos que receberam a carta em casa apelando à realização do rastreio, compareceram apenas 174 683 (59%), menos do que em 2021 (65%). "Este é ainda um reflexo da covid-19. Há utentes infetadas em isolamento. As pessoas, apesar de tudo, ainda têm medo de sair de casa e os médicos de família habituaram-se a prescrever exames fora das unidades" da LPCC, explicou ao JN Vítor Veloso, presidente do Núcleo Regional do Norte da LPCC.
Fazem os exames fora
Olhando para os dados do Núcleo Regional do Sul da LPCC, em 2022 foram convidadas a realizar o rastreio 407 489 mulheres, das quais compareceram apenas 105 097 (26%). "Isto deve-se sobretudo ao alargamento do rastreio à região de Lisboa e Vale do Tejo. As senhoras desconhecem o rastreio de base populacional e muitas são rastreadas através do médico de família", explicou ao JN Marta Pojo, diretora dos Projetos de Saúde do Núcleo Regional Sul da LPCC.
Lembra que os centros urbanos têm taxas de adesão inferiores. "É o que acontece na Área Metropolitana de Lisboa, onde temos 300 mil mulheres a testar, o triplo das do Alentejo", explica Marta Pojo. Apesar da "primeira vez no terreno" registar taxas mais baixas, foram rastreadas mais 5855 utentes do que no ano de 2021.
"Preocupa-nos, mas também nos descansa saber que estas mulheres estão de alguma forma a ser rastreadas. Gostávamos de ter as taxas de guideline europeias. Os ideais de 70% que atingimos nas zonas onde estamos há muito tempo, como o Alentejo, e que as evidências científicas provam reduzir a mortalidade em 30%", sublinhou.
Em 2020, primeiro ano da pandemia, os rastreios caíram drasticamente devido à paragem entre março e julho desse ano. No Norte, estiveram parados quase oito meses.
"Danos dramáticos"
Em 2021, as convocatórias e os rastreios começaram a aproximar-se dos níveis pré-pandemia. No Norte, foram convocadas 277 mil mulheres (mais 154 mil do que no ano anterior), tendo aderido 180 mil (mais 108 mil do que em 2020). Vítor Veloso acredita que irão recuperar e lembra que o Norte por via do rastreio reduziu, em pré-pandemia, a mortalidade por cancro da mama em 20% a 25%.
Os números mostram que em 2022 houve mais 905 casos positivos na região face ao ano anterior. "Estamos a falar de um agravamento condicionado pela acessibilidade, não só aos médicos de família, mas à referenciação dos hospitais e a diminuição dos cuidados aos doentes oncológicos, como a cirurgia, a radioterapia e a quimioterapia. Estes três anos têm danos dramáticos para a oncologia. Os doentes foram esquecidos", advertiu o médico. No Sul, Marta Pojo garante que o cenário não é de agravamento.
Sabe mais
Menos o Algarve
Com a chegada gradual das carrinhas móveis de rastreio aos concelhos da região de Lisboa e Vale do Tejo, o Programa de Rastreio de Cancro da Mama da Liga Portuguesa Contra o Cancro (LPCC) passou a cobrir todo o território continental (à exceção do Algarve, onde o exame é assegurado pela Associação Oncológica do Algarve). Este alargamento abrange mais 400 mil mulheres.
5 milhões
O rastreio gratuito do cancro da mama é feito por convite a mulheres entre os 50 e os 69 anos, inscritas nos centros de saúde. Até ao momento, a LPCC diz já ter realizado cerca de cinco milhões de mamografias a nível nacional. São realizadas de dois em dois anos nas unidades móveis ou fixas de rastreio para deter a doença numa fase inicial.
Sete mil casos/ano
O cancro da mama é uma das doenças oncológicas com maior incidência em Portugal. Todos os anos são diagnosticados cerca de sete mil novos casos e 1800 mulheres acabam por morrer, segundo a LPCC.
CAMPANHA
Luvas de boxe para alertar para este combate
Para "chamar a atenção" para a importância do diagnóstico precoce, o Núcleo do Norte da Liga Portuguesa Contra o Cancro enviou em dezembro 225 caixas com luvas de boxe a vários decisores políticos e organismos públicos. "É preciso criar um plano devidamente estruturado e adequado a cada um dos hospitais", advertiu Vítor Veloso. O objetivo é que a oncologia seja uma prioridade na agenda política e nos planos nacionais e municipais de saúde. "O tempo é fundamental. Faz diferença entre a cura e a sobrevivência", diz.