Maiores de 80 anos vão receber quarta dose para se protegerem da covid-19 no final de agosto. Pneumologista Filipe Froes defende que a proteção devia avançar já e a partir dos 50 ou 60 anos.
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As pessoas com mais de 80 anos vão receber a segunda dose de reforço da vacina contra a covid-19 (quarta dose no total) a partir do final de agosto ou do início de setembro. O anúncio foi feito ontem pela ministra da Saúde. Segundo Marta Temido, aquele será o momento em que faz mais sentido começar a proteger a população mais vulnerável, no entanto a posição não é consensual. O pneumologista Filipe Froes defende que o reforço deve avançar já e abranger idades mais precoces, como estão a fazer vários países europeus, Estados Unidos e Austrália, entre outros.
"O que se coloca, neste momento, é saber qual o melhor momento para avançarmos com a quarta dose ou dose de reforço. Face às características deste vírus e estando a situação epidemiológica relativamente controlada, o que parece fazer mais sentido é que esse momento aconteça apenas antes do início do outono/inverno. Portanto, em final de agosto/início de setembro", disse a ministra da Saúde, no Porto, adiantando que a administração da dose de reforço às pessoas com mais de 80 anos está "em linha com a posição da Agência Europeia do Medicamento". Apesar disso, deixa aberta a porta para vacinar em faixas etárias mais baixas.
"Há evidência, que não é totalmente clara, [para a administração do reforço] na faixa etária entre os 60 e os 80 anos e parece haver alguma clareza de que, abaixo dos 60 anos, não se justificará", afirmou a ministra, citada pela agência Lusa.
Filipe Froes, que, ao longo de dois anos, assumiu a coordenação do Gabinete de Crise para a Covid-19 da Ordem dos Médicos, que cessou funções em fevereiro, discorda. "Defendo, à semelhança do que está a ser feito noutros países, como os Estados Unidos, a administração da segunda dose de reforço agora e para os maiores de 50/60 anos e imunodeprimidos", adianta, em declarações ao JN. Porquê? Para podermos lidar com a incerteza da primavera/verão - a maior parte da população vulnerável recebeu a terceira dose entre dezembro e fevereiro últimos e já estará menos protegida - e com a incerteza sobre novas variantes e a eficácia da atual vacina no início do outono. "A pandemia ensinou-nos que a proatividade e a antecipação estão associadas a muito melhores resultados", concluiu.
desgaste da confiança
O último relatório de monitorização da situação epidemiológica da covid-19, elaborado pela Direção-Geral de Saúde e pelo INSA, indica que a efetividade vacinal na população com mais de 65 anos para internamento e óbitos é superior a 85%, mas refere-se ao período de janeiro e de fevereiro.
À medida que os meses passam, os estudos indicam que há perda de efetividade das vacinas, mas esse decaimento é mais lento a partir da terceira dose, afirma Carlos Antunes, matemático que tem apoiado o Governo no combate à covid-19. O investigador concorda com a administração da vacina no início do outono, porque fazê-lo agora e dentro de poucos meses "poderia levar a um desgaste da confiança que a população tem na vacinação".
O risco de perda de efetividade vacinal, aliado ao risco de novas variantes e recombinações, e a menor exposição da população mais velha ao vírus justificam, na opinião de Carlos Antunes, a decisão de avançar para a quarta dose. "Entre 70% e 80% da população acima dos 60 anos não esteve exposta ao vírus e, por isso, é mais suscetível de infeção", refere. A questão da mortalidade também entra na equação.
Segundo o investigador da Faculdade de Ciências de Lisboa, os últimos dados indicam que há 14 óbitos por cada mil casos de covid-19 acima dos 80 anos (valor acumulado a 14 dias), o que "continua a ser um número elevado para a cobertura vacinal" nesta idade. Na faixa etária dos 70-79 anos, houve três óbitos por mil casos e na dos 60-69 anos só um óbito. Os números do internamento também justificam o reforço da imunidade. "A 1 de maio, 524 das 1061 camas de enfermaria estavam ocupadas por pessoas com mais de 80 anos", concretiza. Nas unidades de cuidados intensivos estavam, no mesmo dia, 60 pessoas, das quais 12 com mais de 80 anos e 18 com 70-79 anos.
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Já há prescrições
A ministra da Saúde referiu que a quarta dose da vacina já está a ser prescrita para doentes imunocomprometidos.
Agências diferem
Em 29 de março, a agência do medicamento norte-americana autorizou a administração da segunda dose de reforço das vacinas da Pfizer e da Moderna, para maiores de 50 anos com o primeiro reforço há mais de quatro meses. Já em abril, a Agência Europeia do Medicamento e o Centro Europeu de Prevenção e Controlo de Doenças consideraram que ainda é cedo para a quarta dose na população em geral, mas admitiram que pode ser dada aos maiores de 80, por apresentarem maior risco de doença grave e perda de proteção conferida pelo primeiro reforço.
Outros países
Reino Unido, Suécia, Dinamarca, Alemanha e França são alguns dos países europeus que já estão a administrar a quarta dose da vacina. Israel, Chile e Austrália também já avançaram.
Mortalidade
14 óbitos por cada mil casos acumulados a 14 dias são de pessoas com mais de 80 anos. Abaixo desta idade, a letalidade desce.
