O novo secretário-geral do PCP, Paulo Raimundo, tem todas as "condições" para se afirmar nas novas funções, ainda que seja pouco mediático e não esteja no Parlamento. Quem o diz é Vasco Cardoso, membro da Comissão Política do Comité Central do PCP, em entrevista exclusiva ao JN. À margem da Conferência Nacional dos comunistas, o dirigente denuncia o "agudizar da linha de ataque" ao partido e considera que a geringonça acabou devido à "chantagem" do PS, "em articulação" com o presidente da República. No entanto, esclarece que o PCP não se arrepende de ter feito parte dessa solução política.
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Como será feita a transição de secretários-gerais?
Com naturalidade. Tínhamos uma determinada programação e, entretanto, o camarada Jerónimo de Sousa colocou aspetos relacionados com a sua saúde, que são conhecidos e se agravaram nos últimos tempos. Atendeu-se ao que o Jerónimo colocou e fomos à procura de uma solução no âmbito dos membros do Comité Central. É nesse quadro que surge o nome de Paulo Raimundo, que é membro do Secretariado e da Comissão Política do Comité Central do PCP. É um camarada com longa experiência de trabalho, apesar de pertencer a uma nova geração [tem 46 anos]. Tem capacidade de trabalho, condições para ouvir o coletivo e características pessoais que facilitarão a transição, uma vez que é alguém que tem condições para incorporar uma tarefa que envolve uma dimensão pública e, simultaneamente, um trabalho interno, chegando também aos trabalhadores.
Além de ser uma figura pouco mediática, Paulo Raimundo também não está no Parlamento. Como se contornam estas duas dificuldades?
Quanto à questão de ser pouco mediatizado... Deve ter sido o nome mais falado durante esta última semana. [Passar a ser mais conhecido] vai ser uma questão de tempo, até pelas suas qualidades pessoais. Se a Comunicação Social não olhar para o PCP com preconceito, mas sim a partir do que o PCP é, estamos convencidos de que o Paulo Raimundo terá todas as condições para se afirmar como secretário-geral no presente e para o futuro. [Embora] não estando, para já, na Assembleia da República, o país pode estar descansado: a nossa intervenção vai continuar a ter elevada qualidade.
Como se ultrapassam as atuais dificuldades do PCP, nomeadamente ao nível da representação eleitoral?
Reconhecemos essas dificuldades e insuficiências. Estamos num quadro político marcado por uma maioria absoluta do PS, com uma situação de degradação económica e social em que, invocando a guerra, se está a levar a exploração e o empobrecimento para um patamar superior. Ora, isso suscita a necessidade de um PCP mais forte, e o que temos discutido nesta Conferência Nacional passa muito por essa ideia. [É preciso] tomar a iniciativa política ["Tomar a Iniciativa, Reforçar o Partido, Responder às Novas Exigências" é o lema da Conferêcia"], ter uma mais profunda ligação às massas - nas empresas, nos locais de trabalho, nos bairros, nas associações, nas organizações e movimentos de massas - e tomar também medidas de reforço orgânico. No nosso entender, a articulação destas três dimensões dá confiança para que venhamos a ter um PCP mais forte.
Vários oradores da Conferência Nacional salientaram a necessidade de o PCP se ligar mais às massas. Isso quer dizer que o partido está afastado delas?
Não. Quer dizer que, neste momento, se eleva o patamar de confronto com forças e projetos reacionários e se agudiza uma linha de ataque ao PCP com sucessivas campanhas de natureza anticomunista, seja a propósito da Festa do Avante, da epidemia ou do Orçamento do Estado. Os centros de decisão do grande capital procuram isolar o PCP, disseminar o preconceito anticomunista e desenvolver uma ação antidemocrática. E a nossa experiência de 100 anos diz-nos que, sempre que estes momentos de maior dificuldade surgem, é por via dessa ligação aos problemas concretos com que os trabalhadores e as populações em geral estão confrontados que se rompe com esse preconceito anticomunista. Fazendo-o, torna-se percetível para muitos que, afinal, o PCP - que é tantas vezes apresentado como sendo o que não é - corresponde, na sua luta e na sua intervenção, às genuínas aspirações pelas quais lutam. O que estamos a colocar nesta Conferência não é novo nem original; é uma opção de sempre, ainda mais necessária quando a confrontação se eleva ao patamar a que temos vindo a assistir.
Os resultados eleitorais do PCP têm piorado desde 2015. O partido arrepende-se de ter integrado a geringonça?
Não temos qualquer tipo de arrependimento relativamente à geringonça. O que se verificou foi que [, em 2015,] quando o PS se preparava para dar os parabéns ao PSD e ao CDS por umas eleições que, na prática, não tinham ganho, e depois de anos a fio de um pacto de agressão [Governo de Passos Coelho], a audácia do PCP deu expressão, no plano institucional, a uma rejeição que se sentia na sociedade relativamente ao Governo PSD/CDS. Deu ainda a possibilidade, embora limitada, para se concretizarem avanços, conquistas e reposição de direitos e rendimentos que tinham sido retirados. Quando os direitos dos trabalhadores e do povo avançam, isso é bom para o PCP e para o país. Mas é uma evidência que o PS não alterou a sua natureza. E fomo-nos apercebendo que, a partir de determinada altura, o PS passou a pensar menos em soluções para o país e mais em eleições. Pensava em obter uma maioria absoluta, que alcançou na base da chantagem e da manipulação - e com a articulação do presidente da República, que levou o país para eleições. Entretanto, passaram oito meses deste Governo PS e todos os problemas do país se agravaram.
Mas, ainda que não se arrependa da geringonça, o PCP aceitará ponderar uma solução semelhante no futuro?
A solução que se encontrou corresponde a um princípio que temos: não desperdiçar nenhuma possibilidade para fazer valer os direitos dos trabalhadores e do povo. Naquela circunstância concreta, essa possibilidade surgiu e o PCP não a desperdiçou. Agarrou-a e abriu possibilidades que muitos julgariam distantes. É evidente que a História não se repete com essas características, mas de uma coisa podem ter a certeza: o PCP conta e contará sempre para soluções - nos planos institucional, político, parlamentar e até governativo - que correspondam à defesa dos trabalhadores e do povo português. Não nos pomos fora dessa possibilidade, bem pelo contrário; lutamos para ter mais força porque, dessa forma, estaremos em melhores condições de influenciar os destinos do país.