Despacho das vagas carenciadas recebido com "perplexidade". Região tem alta taxa de suicídio e falta de recursos
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Na região do país onde a taxa de suicídio é o dobro da média nacional e onde a falta de especialistas em Saúde Mental é gritante, não haverá, este ano, qualquer incentivo para captar médicos psiquiatras ou pedopsiquiatras. O despacho que identifica as vagas carenciadas por especialidade e por hospital, publicado esta semana, foi recebido com "perplexidade" e "muita preocupação". O coordenador nacional das Políticas de Saúde Mental assume que este "não é um bom mapa" e vai procurar soluções junto da tutela.
O diploma, assinado pelo ministro das Finanças, Fernando Medina, e pela secretária de Estado da Saúde, Maria de Fátima Fonseca, define a criação de 219 vagas carenciadas, das quais 145 são para especialidades hospitalares, 67 para centros de saúde e sete para a Saúde Pública, um número que fica também muito aquém das necessidades (ler ao lado). Os recém-especialistas que concorrerem nos concursos nacionais e forem colocados nestas vagas beneficiam de incentivos financeiros (majoração de 40% da remuneração base), mais dias de férias e tempo para investigação, entre outros apoios.
Só dois pedopsiquiatras
O número de vagas varia entre especialidades - Ginecologia/Obstetrícia e Anestesiologia são as que têm mais (ver infografia) -, mas nem sempre vai ao encontro das necessidades no terreno. Como acontece com a distribuição em Psiquiatria. Para todo o país, foram identificadas duas vagas em Psiquiatria da Infância e Adolescência e duas vagas em Psiquiatria (adultos), sendo que três delas são para o Hospital de Santarém. Uma das vagas de pedopsiquiatria é para o Centro Hospitalar e Universitário do Algarve. A região do Alentejo, que tem graves carências de profissionais desta área, ficou sem qualquer vaga.
"Estou preocupadíssima porque pode significar que a já difícil fixação de clínicos nesta região se torne completamente impossível", afirmou, ao JN, Ana Matos Pires, diretora do Serviço de Psiquiatria da Unidade Local de Saúde (ULS) do Baixo Alentejo. A também coordenadora regional para a Saúde Mental da ARS do Alentejo está especialmente preocupada com a falta de vagas em Psiquiatria da Infância e da Adolescência porque "há apenas dois pedopsiquiatras em toda a região", um no Hospital de Évora e outro no Hospital de Beja. A situação da ULS Norte Alentejano (Hospital de Portalegre) também causa apreensão porque "tem apenas três psiquiatras e um deles reforma-se este ano".
Vasco Nogueira, psiquiatra do Hospital de Beja, ocupa uma vaga carenciada há um ano e meio. "Sem os incentivos e um projeto desafiante é muito difícil que os médicos se mobilizem", assegurou o especialista, considerando "inacreditável" o despacho.
Envolver coordenação
O coordenador nacional das Políticas de Saúde Mental, Miguel Xavier, acompanha a desilusão. "O número de vagas carenciadas na Psiquiatria e na Pedopsiquiatria é muitíssimo mais baixo do que são as necessidades do país", referiu ao JN, frisando que a coordenação nacional não esteve envolvida na elaboração deste mapa - ao contrário do que já aconteceu com o concurso de primeira época dos recém-especialistas - mas, daqui para a frente, "terá de ter uma palavra determinante no planeamento de todos os recursos humanos ". Considerando que este mapa de vagas "não é bom" para a Saúde Mental, Miguel Xavier vai discutir a situação com a tutela. "Como é minha obrigação, vou procurar que haja algumas mudanças", afirmou.
Miguel Xavier acredita que o atual despacho não porá em causa a concretização dos projetos previstos para este ano no Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), porque as equipas comunitárias a criar são em zonas não carenciadas, "mas para o ano serão necessárias muitas mais vagas carenciadas".