Onde estão os profissionais de saúde? Esta é a questão que preocupa a Associação Nacional de Estudantes de Medicina (ANEM). Vasco Cremon de Lemos, presidente da ANEM, acredita que “não há falta de médicos em Portugal” apenas “não estão alocados onde são necessários". E o inventário das profissões da saúde não avançou.
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“Estatisticamente não há falta de médicos, aliás, Portugal é um dos países da União Europeia (UE) que mais médicos forma. O que significa que o problema da falta de médicos é a sua alocação, ou seja, onde estão”, explica o presidente da ANEM ao JN.
Em 2015 foi publicada a Lei 104/2015, de 24 de agosto, com a intenção de criar o Inventário Nacional dos Profissionais de Saúde (INPS), uma responsabilidade da Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS). O ponto 2 do artigo 1º desta lei específica que o INPS “constitui um instrumento de planeamento das necessidades de profissionais de saúde no setor público, privado e social, bem como de coordenação das políticas de recursos humanos no âmbito do Serviço Nacional de Saúde”.
De acordo com Vasco Cremon de Lemos, o INPS não chegou a sair do papel. Segudo o site oficial da ACSS, no dia 19 de maio de 2023, quase oito anos depois da criação da lei, foi realizada uma reunião “centrada na implementação e operacionalização do INPS”.
A reunião terminou com garantias de que a ACSS, em conjunto com os Serviços Partilhados do Ministério da Saúde (SPMS), vai “proceder à análise dos constrangimentos e estabelecer um plano de ação, tendo em vista a submissão do protocolo que fixa as condições de transmissão da informação, a parecer da Comissão Nacional de Proteção de Dados”.
Quatro meses depois ainda não há informações sobre o INPS. Para Vasco Cremon de Lemos “é extremamente complicado haver uma boa gestão de recursos humanos sem o INPS”, podendo dificultar a criação de medidas para “restaurar o Serviço Nacional de Saúde (SNS)”.
O presidente da ANEM explica que vários profissionais de saúde optam por exercer funções no privado ou seguir carreiras não clínicas, como a gestão ou consultoria. “Os fatores mais referidos como motivos para a escolha do privado são a remuneração base, flexibilidade dos horários de trabalho e as condições contratuais além da remuneração, como subsídios, horas extra, seguros, entre outros”.
“Por outro lado, os fatores indicados como pontos fracos do público são a remuneração base, a carência de recursos humanos, equipamentos que dificultam o bom funcionamento do serviço e o excesso de doentes que tem impacto no tempo e qualidade do serviço prestado aos mesmos”.
A saída de médicos do SNS não tem apenas impacto nos utentes, colocando “em risco várias vertentes da formação médica”, visto que grande parte da formação dos profissionais de saúde é feita no SNS.
Vasco Cremon de Lemos esclarece que “a nível pós-graduado poderá colocar em causa a idoneidade formativa do serviço que poderá ter de reduzir o seu número de internos ou colocar em risco os atuais internos que já estão alocados a este serviço. Adicionalmente, pode também colocar em risco a sustentabilidade da prestação de cuidados já que os internos são parte essencial do funcionamento dos serviços”.
A nível do pré-graduado “poderá resultar num menor número de tutores disponíveis para o ensino, resultando assim num maior rácio estudante-tutoria o que tem implicações na aprendizagem e formação que fica assim afetada mas também na prestação de cuidados nomeadamente na ética e privacidade subjacentes a estes”, acrescenta.
Assimetrias regionais
Geograficamente, “a distribuição dos profissionais de saúde não é equitativa com as necessidades no país”, havendo uma “grande concentração destes profissionais nos centros urbanos, apesar dos incentivos de governos regionais, do Orçamento de Estado (OE) e de autarquias”, que chegam a ser “esforços não centralizados” e “insuficientes”. “Portugal necessita do SNS, mas é preciso mais e melhor planeamento por parte dos recursos humanos, o que passa pela distribuição correta dos seus profissionais”, diz.
Vasco Cremon de Lemos explica que, apesar de não haver estudos “fidedignos” sobre a emigração dos profissionais de saúde, sabe-se que grande parte dos pós-graduados escolhem este caminho. Um estudo realizado pela ANEM em 2020 mostra que 79,2% dos alunos de medicina “ponderam emigrar”, um valor 34,8% superior aos que “têm interesse” em emigrar, 44,4%.
Porque querem emigrar?
“Estes dados mostram que os estudantes [da área da saúde] veem a emigração como uma necessidade, não propriamente como algo que queiram fazer”, explica. Os profissionais de saúde tendem a escolher profissões no estrangeiro devido à sua “atratividade”, onde o “vencimento é maior”, há “reconhecimento da carreira”, existe a possibilidade de “conciliar o exercer da profissão com trabalho académico” (docência ou investigação), “segurança no trabalho” e “inovação tecnológica”.
O presidente da ANEM apela a que haja um maior investimento no SNS. “Deve-se tentar perceber como reter os profissionais de saúde no SNS e torná-lo atrativo para que queiram e tenham a possibilidade de ficar. Isto envolve um correto planeamento de recursos humanos e o cumprimento do Inventário Nacional de Profissionais de Saúde, mas também envolve melhorar infraestruturas técnicas e físicas e investir no ensino superior e nas escola médicas”, que “estão à beira da rutura”.