Monitorização do SARS-CoV-2 pela Águas do Porto e CIIMAR, com colheitas nas ETAR do Freixo e Sobreiras, aponta para tendência crescente. Ferramenta permite prever evolução e está um passo à frente dos testes.
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Os níveis de vírus SARS-CoV-2 detetado nas análises feitas às águas residuais das ETAR do Freixo e Sobreiras, no Porto, atingiram nesta semana o valor mais alto desde que há registos. Os dados recolhidos apontam para uma tendência ainda crescente, pelo que o pico não terá sido atingido. Uma ferramenta importante na gestão da crise sanitária, porque preditiva.
A análise resulta de um projeto da Águas e Energia do Porto e do Centro Interdisciplinar de Investigação Marinha e Ambiental (CIIMAR) da Universidade do Porto - o "Virus4Health" - que, há 18 meses, monitorizam, semanalmente, a presença do vírus nas águas residuais afluentes àquelas ETAR, que abrangem uma população de cerca de 450 mil pessoas. Os dados são posteriormente trabalhados em conjunto pelo Instituto de Saúde Pública (ISPUP) da Universidade do Porto e pelos ACeS Porto Oriental e Ocidental.
Explicando o processo. "As pessoas excretam o vírus pela urina e pelas fezes e o material do vírus pode ser detetado nas águas residuais, na mesma lógica de quando se faz uma zaragatoa", desmonta o presidente do ISPUP. Sendo uma ferramenta preditiva, prossegue Henrique Barros, na medida em que a análise às águas residuais "está um passo à frente da capacidade de deteção por testes, porque começo a excretar antes de ter sintomas, porque o vírus já lá está".
Ou seja, antes mesmo de uma subida ou descida de casos, esta monitorização dá sinais de alerta. "Olhando depois para o tempo e comparando com outros momentos, dá-nos uma explicação para o número de casos que estamos a registar". Sendo assim, sublinha o perito ouvido pelo Governo no Infarmed, estes dados "podem ajudar a melhor gerir a alocação de recursos".
Comparação temporal
Explicando agora os dados. "Os níveis registados são os mais altos desde o início deste projeto [mais de 200 amostras], superiores aos de vagas anteriores, sendo relativamente estáveis mas com tendência para crescimento", diz ao JN Ana Paula Mucha, do CIIMAR. Em causa, explica a investigadora, "uma estimativa do número de vírus encontrado por litro de água". Tratando-se, vinca, de "amostras bastante complexas", não se podem "ler os dados diretamente porque são influenciados por diversos fatores" (ver ao lado).
Por outro lado, esclarece Henrique Barros, "neste momento está a subir, mas a níveis muito semelhantes ao que tínhamos há um ano". Porquê? "Na altura não se estava a testar como agora, testamos hoje quatro a cinco vezes mais". O que pode ser uma notícia: "Os dados mostram que podemos estar relativamente tranquilos porque já vivemos com este número de infeções". Frisando o epidemiologista que não podemos fazer extrapolações de âmbito nacional.
Projeto para manter
O presidente da Águas do Porto destaca "o trabalho enorme que permitiu ter esta ferramenta preditiva que permite olhar para o incremento de casos e prever o que vai acontecer nas próximas semanas". O que só foi possível com o "conhecimento científico das instituições da cidade", onde se incluiu também o I3S, explica Filipe Araújo.
É, por isso, um projeto para manter, garante o vice-presidente da Câmara do Porto. "Continuaremos a investir", conclui.
A SABER
Processo complexo
A investigadora do CIIMAR Ana Paula Mucha explica tratarem-se de "amostras bastante complexas, num cocktail de tudo o que é despejado para os esgotos, requerendo um processo de extração e purificação até encontrar o material genético do vírus". E que pode ser influenciado "por diversos fatores: se houver chuva, as amostras estão mais diluídas; se chove menos há mais concentrações".
Âmbito nacional
Segundo Filipe Araújo, "a nível nacional (através da Agência Portuguesa do Ambiente) e europeu está-se a trabalhar num sistema de monitorização integrado do vírus em águas residuais".
CIÊNCIA
Arquivo de material genético
A equipa do projeto "Virus4Health" está atualmente a trabalhar na "criação de um arquivo de amostras e de material genético", avança ao JN o vice-presidente da Câmara Municipal do Porto e presidente da Águas e Energia do Porto, Filipe Araújo. Material que será então catalogado e criopreservado a partir das colheitas realizadas nas duas ETAR. Será depois "utilizado para complementar a caracterização da diversidade genética do vírus em circulação no sistema de saneamento e modelação epidemiológica e ecológica dos dados gerados, complementando a vigilância clínica".