As rendas dos novos contratos de arrendamento vão ter um teto máximo a partir de março. A medida consta do pacote legislativo para a habitação, apresentado esta quinta-feira pelo Governo, onde consta ainda um apoio até 200 euros para famílias com dificuldades em pagar a renda, o fim dos vistos gold e dos alojamentos locais no Litoral, bem como o arrendamento compulsivo, por parte do Estado e municípios, de edifícios devolutos.
Corpo do artigo
O primeiro-ministro, António Costa, sinalizou que há "grandes disrupções" ao nível do mercado da habitação com estas medidas. Desde logo porque as rendas dos novos contratos de arrendamento deixam de estar ao livre arbítrio dos proprietários e passa a existir um teto máximo. "A nova renda deve resultar da soma da última renda praticada, com as atualizações que durante esse período poderiam ter sido feitas, acrescido do valor da subida de inflação fixada pelo BCE", explicou António Costa.
Assim, em termos práticos, uma habitação que esteve arrendada por 500 euros mensais durante 2022, não poderá ter em 2023 uma renda que ultrapasse os 500 euros, mais 5,43% da atualização de 2022, mais 2% de inflação. Ou seja, essa habitação, ao abrigo das novas medidas não pode ter uma renda superior a 537,15 euros este ano.
Ao nível do combate à especulação imobiliária não serão concedidos novos vistos gold em Portugal. Os que já existem, tratando-se de investimentos imobiliários, só serão renovados caso a habitação em causa seja a moradia do beneficiário do visto ou seus descendentes, ou caso estes cedam o imóvel para arrendamento. António Costa constatou que "dos mais de 11 mil vistos gold atribuídos até agora, mais de 9000 foram única e exclusivamente na vertente imobiliária". Ou seja, com "uma baixíssima taxa de contribuição de emprego e contribuição para outras atividades", justificou.
Fim das licenças e mais taxas para alojamento local
Quem também tem os dias contados é o Alojamento Local (AL). Pelo menos até 2030 não há novas licenças para este negócio, com exceção dos alojamentos de cariz rural que se situem nas regiões do Interior. A partir de 2030, todas as licenças já atribuídas serão reavaliadas e o processo repete-se de cinco em cinco anos.
Os negócios de AL terão um imposto adicional aos que já existem e cuja receita reverte a favor do Instituto da Habitação e Reabilitação Urbana para desenvolvimento das políticas de habitação ao nível nacional. Os proprietários que tenham edifícios dedicados a AL e o queiram transformar em arrendamento habitacional terão isenção de imposto sobre rendimentos prediais em sede de IRS até 2030, desde que a transformação do negócio ocorra até ao final de 2024.
Acabam os despejos imediatos
Ao nível do mercado de arrendamento, o Governo vai introduzir uma alteração à lei em que o Estado passa a substituir-se aos inquilinos que não paguem renda. Ou seja, todos os pedidos de despejo que entrem no Balcão Nacional de Arrendamento após três meses de renda em dívida serão suspensos e o Estado passa a pagar a renda. Depois, o Estado avaliará como e porquê a renda deixou de ser paga, de molde a apoiar o inquilino ou proceder ao despejo. "Se for um incumpridor profissional, que também os há, compete ao Estado o despejo", assegurou António Costa.
O Estado também passa a estar disponível para ser inquilino de casas que estejam disponíveis para arrendar, na condição de as poder subarrendar a seguir. Os contratos com o Estado serão de cinco anos e apenas com casas "que estejam disponíveis a preços normais", explicou António Costa.
Vender casa ao Estado vale mais
Quem vender ao Estado ou às câmaras municipais uma casa com o objetivo destes organismos disponibilizarem o imóvel para arrendamento acessível terá isenção de imposto sobre mais valias. "É um incentivo muito forte para quem tem casas e não as pretende utilizar", disse o primeiro-ministro.
Por outro lado, quem comprar uma habitação com o fim de a colocar em arrendamento acessível terá isenção de IMT. Quem optar por reabilitar uma habitação para arrendamento acessível terá IVA de 6% nas obras de reabilitação e "total isenção de pagamento de IRS pelos rendimentos prediais", acrescentou António Costa.
Posse coerciva de edifícios devolutos
Ao mesmo tempo, o Estado vai conceder uma linha de crédito de 150 milhões de euros para as câmaras municipais realizarem obras coercivas em imóveis devolutos. Ou seja, atualmente a lei já permite que as câmaras assumam a posse coerciva de um imóvel privado com o objetivo de o requalificar e, depois, imputar o custo da requalificação ao seu proprietário, a quem é devolvido o imóvel reabilitado. Raramente as câmaras o fizeram por dificuldades financeiras e, agora, passam a ter uma verba para isso.
Ainda no capítulo dos imóveis devolutos, será criado um regime de arrendamento compulsivo em que o Estado e as câmaras assumem a posse do edifício e pagam "ao proprietário a renda que é devida e a renda que resulta do arrendamento a que procede" quando o edifício estiver reabilitado pelo Estado e colocado em arrendamento.
O Governo vai também melhorar os incentivos fiscais para todo o arrendamento existente. A taxa liberatória comum para contratos entre dois a cinco anos passa de 23% para 15%. Para contratos entre cinco e dez anos, a taxa desce de 14% baixa para 10%. Se for entre 10 e 20 anos, a taxa baixa de 10% para 5%. Se for em regime de arrendamento acessível a taxa será zero.
Bancos obrigados a ter crédito com taxa fixa
Os créditos à habitação também vão ter novas regras, para bancos e clientes. Desde logo passa a ser obrigatória a existência de oferta de créditos com taxa fixa em todas as instituições de crédito, incluindo bancos. O Santander Totta, por exemplo, deixou de disponibilizar esta opção no início da crise inflacionista.
Do lado dos clientes, o Estado vai bonificar em 50% o juro existente nos créditos à habitação dos agregados que sejam tributados até ao 6.º escalão do IRS (rendimento médio anual de 38 632 euros) e cujo crédito não ultrapasse o valor de 200 mil euros. O desconto de 50% incide apenas sobre a parte que está acima do valor máximo identificado pelo teste de stresse realizado aquando da contratação do crédito.
A amortização do crédito à habitação passa ainda a beneficiar de isenção de imposto sobre mais valias, para o titular do crédito ou seu descendente, independentemente de se destinar a primeira habitação ou não. Atualmente só existe isenção se a mais valia for aplicada num prazo de dois anos na aquisição de casa própria.
Apoio até 200 euros para aumentos das rendas
O Governo promete ajudar a pagar a renda da casa com um apoio de valor máximo de 200 euros para todas as famílias que atinjam uma taxa de esforço (peso da prestação mensal no total dos rendimentos líquidos mensais do agregado) superior a 35%, e que tenham casa que se insira nos limites máximos de renda da tabela do IHRU em vigor para o respetivo concelho. A tabela para 2023 pode ser consultada aqui. São elegíveis os agregados com taxas de esforço superiores a 35%, até ao 6.º escalão do IRS.
Outra vertente do pacote de medidas está em facilitar a reconversão de imóveis destinados a comércio e serviços para habitação. Deixa de ser necessário alterar o plano de ordenamento do território ou a licença de utilização e o mesmo acontece com terrenos de comércio e serviços que possam ser utilizados para construir casas.
O Governo acrescenta que fará a sua parte e disponibilizará terrenos para cooperativas ou o setor privado poderem construir com o fim de arrendar a custos acessíveis. Os primeiros dois concursos serão lançados em breve e disponibilizarão terrenos na Quinta do Viso, no Porto, e na Quinta da Alfarrobeira, em Lisboa.
Câmaras deixam de verificar licenciamentos
Ao nível do licenciamento serão simplificados os procedimentos relativos a projetos de arquitetura e especialidades que deixam de estar sujeitos à verificação municipal e a câmara emite a licença com base numa declaração de compromisso dos projetistas. "Será obviamente acompanhada de um quadro sancionatório muito duro a aplicar pelas ordens dos arquitetos e dos engenheiros", salvaguardou António Costa.
Adicionalmente, os organismos públicos, sejam câmaras ou institutos, que se atrasem na emissão de pareceres ou licenças serão financeiramente prejudicadas. Isto porque sobre os prazos definidos na lei passam a correr juros de mora que, no ano seguinte, serão descontados no orçamento dessas entidades.
Todas as medidas serão colocadas em discussão pública durante um mês, altura em que algumas seguirão para a Assembleia da República e outras serão aprovadas no Conselho de Ministros de 16 de março.