Aprendizagens afetadas em 80% das escolas devido à falta de equipamentos durante pandemia
O ensino foi "afetado" ou "muito afetado" em 80% das escolas devido à falta de equipamentos durante o fecho dos estabelecimentos no ano passado.
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Num estudo promovido pelo Conselho Nacional de Educação (CNE), 92% dos agrupamentos revelaram não dispor nem de computadores suficientes nem de Internet de qualidade para o ensino à distância. Uma realidade agravada nos estabelecimentos com maior percentagem de alunos desfavorecidos, com necessidade educativas ou que não dominam o português. A maioria dos professores (65%) cortou na matéria que lecionaram.
Durante o fecho das escolas no ano passado, só 35% dos professores lecionaram e avaliaram todos os conteúdos inicialmente previstos para o 3.º período.
A dias do plano de recuperação das aprendizagens poder ser aprovado em conselho de ministros, o órgão consultivo do Ministério da Educação confirma, através do estudo divulgado esta quarta-feira que a falta de equipamentos e de ligação de Internet de qualidade foi um dos principais obstáculos que as escolas tiveram de enfrentar quando fecharam em março do ano passado para passarem o terceiro período à distância (só os alunos do 11.º e 12.º regressaram em maio às aulas). Apesar de ser um problema transversal, o estudo conclui que afetou as escolas de modo diferenciado consoante o contexto socioeconómico em que estão inseridas e o nível de ensino.
No estudo revelado esta quarta-feira, em quase metade das escolas (49,6%) menos de 15% dos alunos não tinha dispositivos para o ensino à distância, em 29,9% eram entre 15 a 30% de alunos e em 20,5% mais de 30% dos alunos não tinham forma de se ligar.
De acordo com o perfil traçado pelo CNE, essas escolas mais afetadas estavam inseridas em contextos desfavorecidos, "as que tinham mais de 10% de alunos com necessidades específicas, mais de 10% de alunos com Português Língua Não Materna (PLNM), e em que mais de 30% dos alunos não tinham equipamento digital para fazer face ao ensino remoto de emergência. São também as Escolas de menor dimensão no que respeita ao número de alunos, e as que mais integravam todos os níveis e ciclos de educação e ensino". As Escolas de zonas urbanas e suburbanas onde "mais de 5% dos alunos não participaram em nenhuma das atividades escolares durante o período de ensino remoto de emergência". Quarenta e quatro por cento das escolas com mais alunos desfavorecidos dizem ter sido "muito afetadas". Um valor muito superior aos 15% entre escolas inseridas em contextos mais favorecidos.
As regiões com mais de 20% dos alunos afetados nas suas aprendizagens foram as escolas do Alto Tâmega, Tâmega e Sousa, Aveiro, Área Metropolitana de Lisboa, Alentejo Litoral e Açores.
Só 6% dos estabelecimentos públicos não precisaram de apoio para ceder dispositivos aos alunos. A maioria (75%) recebeu ajuda, especialmente de autarquias ou juntas de freguesia, mas 18% não teve apoios, estando neste grupo 22% das escolas em contextos desfavorecidos. As regiões do Alentejo Litoral e Alto Tâmega destacam-se entre as que as escolas menos ajudas receberam. No Médio Tejo, Beira Baixa e Leiria, todas as escolas foram apoiadas.
As dificuldades foram mais sentidas pelos alunos mais novos. Enquanto no 1.º ciclo, 70% dos alunos foram "afetados" ou "muito afetados" devido à falta de dispositivos ou de ligação à Net (67%), no Secundário esse indicador baixa para quase metade, 36,4%.
No início desta semana, recorde-se, o CNE emitiu uma recomendação na qual defende a revisão do ensino Secundário, de modo a que o 10.º fique "fique mais livre e transversal aos diferentes percursos" ficando a escolha das vias de conclusão e de acesso ao ensino Superior apenas no 11.º e 12. anos. A revisão do modelo de acesso também voltou a ser defendida pelo CNE.
Correios e visitas a casa
A insuficiência de equipamentos e má qualidade na Internet levou 93% dos diretores a assumir que recorreram a vias de comunicação alternativas. O telefone ou telemóvel foram a foram privilegiada pelas escolas para manterem o contacto com os alunos (93%), 40% recorreram ao envio de material pelos correios e a mesma percentagem a contactos pessoais - destes a maioria (75%) foram materiais em papel levantados nas escolas ou levados a casa dos alunos com o apoio das autarquias e juntas de freguesia.
Manter as equipas de apoio domiciliário é uma das medidas criadas para enfrentar o fecho das escolas devido à pandemia que os diretores consideram que se de devida manter no futuro. A maioria (66%), aliás, respondeu no questionário que pretende elaborar um plano de comunicação para promover o contacto regular com as famílias. Outras medidas que os diretores consideram que devem ser mantidas no pós-pandemia são as reuniões online de professores (87%), a dinamização de projetos TIC (73%) ou o foco na avaliação formativa (74%).
Avaliar, aliás, foi a tarefa que 82% professores apontaram como a mais difícil de concretizar - 89% adaptaram os critérios e 96% as metodologias, sendo que 66% não usaram testes ou fichas e 75% mencionaram não ter experiência em avaliar por aplicações online.
Na análise às competências digitais, o estudo sublinha que menos de metade dos professores (47%) teve TIC na sua formação inicial. Durante o primeiro confinamento a esmagadora maioria (89,7%) teve ações de formação mas em ferramentas elementares.
De acordo com a avaliação do CNE, a falta de equipamentos afetou muito mais o ensino do que a falta de competências digitais de professores, alunos e famílias.
2% de abandono
Um em cada quatro professores garantiu que, pelo menos, 93% dos alunos cumpriram com regularidade as tarefas propostas. E 88% dos diretores asseguraram que os alunos "nunca ou quase nunca" faltaram às sessões síncronas. No entanto, em média 2% dos alunos não participaram em nenhuma das atividades propostas durante o fecho das escolas. Nas regiões da Madeira (5%), Açores e Trás-os-Montes (4%), Aveiro, Alto Alentejo, Alentejo Litoral e Área Metropolitana de Lisboa (3%) essa percentagem foi superior. Além do aumento do risco de abandono, a falta de socialização e o aumento das desigualdades foram as consequências negativas mais sublinhadas por diretores e professores no estudo.
Só 30% usaram recursos digitais
Os professores dividiram-se quanto ao impacto nas aprendizagens: 52% dos que responderam ao questionário consideraram que a distância não comprometeu o ensino, 48% afirmaram que sim. A maioria (72%) concordou, no entanto, que as dificuldades de aprendizagem aumentaram, especialmente entre os mais novos (76% no 1.º ciclo e 72% no 2.º ciclo). Dois terços (66%) dos docentes assumiram não ter lecionado, nem avaliado os conteúdos previstos para o terceiro período. O Secundário foi o ciclo que mais seguiu os programas (49%). No 1.º ciclo, apenas 19% dos professores dizem que o conseguiram. Um valor inferior só foi apontado pelos docentes de Educação Física: apenas 11% mantiveram os planos.
As sessões síncronas não foram, por isso, para a maioria eficazes para assegurar o cumprimento dos programas, apesar de mais de 80% dos professores apontarem que serviram para esclarecer dúvidas, questionar e dar feedback aos alunos, clarificar ou sistematizar conteúdos.
A análise do CNE concluiu que "menos de um quarto dos professores seguiu abordagens em que o papel dos alunos na aprendizagem é central". A esmagadora maioria (83%) não pediu trabalhos de grupo, nem promoveu debates (75%), optando antes por fichas de trabalho (79%), vídeos (76%), pesquisa e consulta de páginas na Internet (72%), seguir os seus apontamentos (71%), Power-Point (70%) ou os manuais (68%). Só 29% utilizaram com regularidade ferramentas para a criação de recursos educativos digitais como Padlet, Kahoot ou Quizz.