As cidades estão a prejudicar a saúde e o bem-estar de quem as habita, mas tardam a baixar o volume. Estratégia nacional chega ao Governo até ao final do ano.
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O ruído nas zonas urbanas atingiu níveis tão elevados que está a deixar os habitantes doentes. Na Europa, segundo as contas da Agência Europeia do Ambiente, a exposição prolongada ao ruído ambiental contribui para 48 mil novos casos de doenças cardíacas e 12 mil mortes prematuras todos os anos, a que se somam 6,5 milhões de pessoas com distúrbios do sono e 22 milhões com incómodos crónicos.
O ruído rodoviário é o que afeta mais, havendo 113 milhões de pessoas na Europa expostas a níveis prejudiciais à saúde. O tráfego ferroviário afeta 22 milhões, o barulho das aeronaves cerca de quatro milhões e a indústria um milhão.
São números como estes que fazem com que José Palma-Oliveira, docente na Universidade de Lisboa que assumiu funções como perito da Comissão Europeia para a Diretiva do Ruído, lamente a inércia dos decisores. "Para gerir o ruído é preciso ter políticas claras e pesar o ruído nas decisões. Isso tem sido muito difícil. Estes dados já existem há cerca de 20 anos e nunca foram ponderados devidamente pelos governos", observa.
Parente pobre
Em Portugal, "20% da população residente no continente está exposta a níveis sonoros que induzem perturbações no sono e 15% a níveis associados a incomodidade moderada", aponta a associação ambientalista Zero, lamentando a demora de uma estratégia nacional nesta área.
A tal estratégia nacional é "muito importante para a valorização do problema, porque o ruído continua a ser o parente pobre em matéria ambiental. Com ela espera-se que muitas das coisas que estão previstas passem a ser sancionadas. Atualmente ninguém chateia se não se cumprirem mapas, planos e ações contra o ruído", diz Francisco Ferreira, presidente da Zero.
Ao JN, a APA adianta que está a "desenvolver uma proposta de Estratégia Nacional de Ruído, que tem sido objeto de várias interações com as partes interessadas, prevendo-se que até ao final do corrente ano se concretize o documento técnico da mesma, para submissão ao membro do Governo da área do Ambiente".
Dos seis municípios portugueses que, devido à sua elevada densidade populacional, figuram no mapa europeu que analisa a exposição ao ruído (ler ao lado), sobressaem o da Amadora (45,5%), a sul, e o de Matosinhos (32,6%), a norte.
Matosinhos trava aceleras
Em Matosinhos estão identificadas 11 zonas críticas, muito ligadas à rodovia e com particular destaque para a Autoestrada 28, mas sem esquecer a proximidade ao aeroporto e o porto de mar. Das medidas já colocadas em prática pela autarquia ou outras entidades naquele território, Pedro Rocha, diretor do Departamento de Ambiente da Câmara, aponta a "redução de velocidade em algumas artérias, melhoria de pavimentos e barreira acústicas em autoestradas".
O plano municipal nesta matéria está a ser revisto, mas o técnico admite que o ruído é uma "vertente do ambiente que é difícil de integrar nos processos de criação e de renovação das cidades".
O JN tentou também auscultar a Câmara Municipal da Amadora, mas não obteve esclarecimentos em tempo útil.
Exemplos lá de fora
Paris, França
Radar sonoro e multas
As autoridades instalaram, este ano, um radar sonoro num poste da Rua d"Avron e outro a noroeste da cidade. Os dispositivos, conhecidos como "medusa", têm câmaras multidirecionais e uma bateria suspensa de oito microfones. A partir de 2023, aqueles que ultrapassarem os níveis definidos vão ser multados.
Itália e Madrid
Mistura asfáltica porosa e barreira de ruído
Através do projeto NEMO, a União Europeia está a levar a cabo dois estudos para combater a poluição sonora e atmosférica: uma mistura asfáltica porosa está a ser testada numa rua em Florença (Itália) e uma barreira de ruído modular de 30 a 40 metros será instalada em Madrid (Espanha).
Zurique, Suíça
Baixou velocidade para 30 quilómetros/hora
Zurique baixou os limites de velocidade em parte da rede viária para reduzir o ruído e melhorar a saúde e qualidade de vida dos moradores. Passar de 50 para 30 quilómetros/hora permite uma redução média entre 3 dB e 5 dB. A medida já abrange 40 quilómetros de via e até 2030 serão adicionados mais 120 quilómetros.
México
Leis mais duras para quem transgride
O Congresso da Cidade do México aprovou uma decisão para reformar a Lei Ambiental de Proteção da Terra. Aqueles que violarem os limites de ruído podem ser presos ou multados. Obras e atividades transgressoras serão encerradas.