O Partido Socialista e o Bloco de Esquerda apresentaram propostas de alteração à lei do aborto para facilitar o acesso à interrupção voluntária da gravidez (IVG). Apesar de ambos quererem mudar a legislação, e até convergirem nas alterações, os partidos têm visões diferentes sobre ao prazo legal.
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Prolongar o prazo legal
O Partido Socialista defende que a lei que permite a interrupção voluntária da gravidez foi uma "conquista cruelmente tardia" e quer aumentar o prazo legal para as 12 semanas de gestação, como na maioria dos países europeus. "É também por causa deste limite raro, e historicamente traçado nos termos conhecidos, que há tantos relatos traumáticos em que exercer o direito a uma IVG é uma corrida contra o tempo, acabando muitas vezes por se verificar que não se consegue aceder À IVG dentro do período gestacional legal", pode ler-se na proposta socialista.
Por outro lado, o Bloco de Esquerda quer ir mais longe, e propõe uma alteração até às 14 semanas, em linha com a Espanha, a França e a Roménia. "A legislação portuguesa, que fixa o limite gestacional para o aborto a pedido da mulher nas 10 semanas, é neste momento uma das mais restritivas da Europa", justificam os bloquistas.
A lei portuguesa de 2007 estipula que a IVG por opção da mulher se realize até às 10 semanas. O prazo, também estabelecido pela Croácia e pela Eslovénia, é o mais baixo da maioria dos países europeus.
Acabar com o período de reflexão
Os dois partidos defendem a eliminação do período de reflexão "não inferior a três dias a contar da data da realização da primeira consulta" para realizar a IVG. Os socialistas consideram a medida "paternalista" e sustentam que "as mulheres, quando agendam uma IVG, sabem o que querem e por que o querem fazer". "Desburocratiza-se assim o processo de acesso à IVG e reduz-se o tempo necessário até à realização da mesma", justifica o Bloco de Esquerda.
Eliminar a necessidade de ter dois médicos
Ambos estão alinhados também neste ponto. Para socialistas e bloquistas, não faz sentido que o procedimento seja acompanhado por dois médicos, um para a elaboração do atestado e outro para a realização da IVG.
"Não encontramos qualquer argumento válido para a intervenção de dois médicos em vez de um só nem para a manutenção de uma 'reflexão' forçada", argumenta o PS. O BE acredita que a descriminalização da IVG em 2007 “provou ser uma política emancipatória extremamente positiva também do ponto de vista de saúde pública”, mas “é necessário reconhecer que a mesma tem enfrentado inúmeros obstáculos, nomeadamente no Serviço Nacional de Saúde".
Regulamentar a objeção de consciência
Esta será a mudança mais profunda e mais polémica proposta pelos partidos. O PS e o BE acreditam que é urgente regulamentar a objeção de consciência para assegurar que não põe em causa "a liberdade de decisão das mulheres".
O Partido Socialista afirma que a lei não se pode tornar uma "enunciação vazia" e sublinha que o direito à objeção de consciência é "um direito individual e não institucional". "A objeção de consciência corresponde ao exercício de um direito com guarida institucional, que respeitamos, mas não pode servir de fundamento para privar as mulheres de um direito cuja negação ou atraso pode colocar as suas vidas em risco", argumenta o partido de Pedro Nuno Santos.
O PS defende, por isso, que os serviços públicos se organizem de forma a que "se garanta a todo o tempo o número de profissionais de saúde necessários ao acesso efetivo e atempado" à IVG nem que, para isso, seja necessário o recurso a prestadores externos. No entanto, para os socialistas, os objetores de consciência devem continuar a apresentar a decisão à direção clínica ou de enfermagem, tal como prevê a lei atual.
O partido de Mariana Mortágua, por outro lado, defende que os profissionais de saúde que queiram exercer o direito à objeção devem comunicá-lo, no prazo de 60 dias, após a publicação das alterações à lei ou da sua contratação para o SNS. O Bloco considera que há um "abuso da invocação" da figura do objetor e quer que as unidades de saúde tenham uma "lista atualizada" destes profissionais.
Como o PS, também o Bloco sugere que os hospitais organizem as suas equipas de forma a garantir que existem sempre profissionais de saúde suficientes para realizar uma IVG e, caso tal não seja possível, que se lancem "concursos de contratação".