Mais de 530 pessoas, entre académicos e personalidades do mundo da cultura, assinaram, até à data, o manifesto "Todas Sabemos", que visa apoiar as denunciantes de casos de assédio.
Corpo do artigo
Ao JN, a investigadora Ana Cristina Pereira, uma das redatoras e subscritoras do documento, fala numa realidade "transversal" ao meio académico e não só. O manifesto surge na sequência do caso em que o diretor emérito do Centro de Estudos Sociais (CES), Boaventura de Sousa Santos, foi visado numa denúncia por investigadoras.
Ana Cristina Pereira, do CES, recusou revelar o número total de denúncias já recebidas desde que, "há dois ou três dias", os impulsionadores do manifesto disponibilizaram um endereço de e-mail onde as alegadas vítimas poderão relatar os seus casos (sabemostodas@gmail.com). Ainda assim, deixou antever que já terá havido uma quantidade considerável de denúncias e, questionada sobre se isso a surpreendia, referiu que já esperava uma adesão significativa.
"Por um lado sim, [fiquei surpreendida], porque [o canal de denúncias] podia falhar. Por outro lado não, porque, quando dizemos que todas sabemos, todas sabemos mesmo", sublinhou. A investigadora referiu ainda que a questão do assédio não se limita ao meio académico, constituindo um problema "transversal" à sociedade em si.
Questionada sobre até quando estará disponível o canal de denúncias, Ana Cristina Pereira respondeu que este "durará enquanto for necessário", uma vez que "a justiça é muito mais lenta do que o movimento social". Embora recusando explicar qual o processo que irão seguir uma vez recebidas as denúncias, disse estar consciente de que o país poderá estar perante uma mudança de paradigma.
"Sabemos que estamos a atravessar uma fronteira", referiu, ao JN, a investigadora do CES. "Esperamos que nada fique igual", acrescentou, embora reconhecendo que ninguém sabe "o que vai acontecer entretanto". Até à data, já 533 personalidades subscreveram o manifesto.
"Não culpabilizem" quem denuncia
Ainda que o manifesto se destine a apoiar as denunciantes, Ana Cristina Pereira realçou que estas "têm o direito de ficar caladas" se assim o entenderem. À sociedade civil, pediu para que "não se culpabilizem as vítimas por estas não denunciarem logo" os casos de assédio de que terão sido alvo, ou por não os denunciarem de todo.
Depois de, na passada terça-feira, ter vindo a público que três ex-alunas tinham denunciado Boaventura de Sousa Santos e o investigador Bruno Sena Martins por assédio sexual - num artigo científico no qual nunca era referido o nome de nenhum deles -, o CES abriu uma investigação interna aos casos. Os dois visados auto-suspenderam-se, entretanto, das funções no CES, embora rejeitem as acusações.
Desde a denúncia inicial, mais duas investigadoras vieram a público apontar o dedo a Boaventura de Sousa Santos. A primeira foi a argentina Moira Millán, à qual se seguiu a brasileira Bella Gonçalves, deputada estadual pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL).
Esta terça-feira, a ministra da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, Elvira Fortunato, afirmou que as universidades e politécnicos podem podem resolver autonomamente casos de assédio na academia, rejeitando, para já, criar uma estrutura paralela para esse fim.