Os atrasos na implementação da Lei de Bases do Clima, em vigor há dois anos, são resultado de uma governança climática que "deixa muito a desejar", alerta a associação Zero. Os ambientalistas dizem-se preocupados com os “progressos medíocres" da estratégia política nacional de combate às alterações climáticas.
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Neste dia em que se assinalam dois anos da legislação, a associação ambientalista Zero atenta que os atrasos na implementação da prejudicam "fortemente o correto planeamento e execução da política e ação climática nacional”, levando por arrasto medidas “urgentes” para que Portugal "acelere o passo" a tempo de alcançar a neutralidade carbónica até 2045. Os ambientalistas dizem esperar que o próximo Governo, conhecido após as eleições de março, "remedie" a situação e "dê, finalmente, prioridade" à lei.
"Estamos praticamente a meio da década crítica para conseguirmos limitar o aquecimento global a cerca de 1,5ºC, em que as emissões de gases com efeito de estufa têm de baixar drasticamente até 2030, quer no Mundo quer no país, mas a lei marca passo", sublinha a associação, numa nota em que classifica os passos dados desde 2021 para cumprir as medidas prioritárias previstas.
A associação considera particularmente "gravosas" as omissões relativas aos orçamentos de carbono e planos setoriais de mitigação e adaptação às alterações climáticas (que estabelecem limites quinquenais às emissões de CO2), bem como ao relatório de avaliação inicial de impacto climático. "Todos na gaveta sem data prevista de apresentação", aponta, apesar de o Governo já ter passado o prazo para estas obrigações.
Conselho que tarda a iniciar funções
Às medidas que mereceram cartão "vermelho" da Zero junta-se ainda o Conselho para a Ação Climática, órgão consultivo do qual depende a viabilidade de vários planos nesta matéria, que deveria ter iniciado funções em janeiro. "Esta data não foi cumprida e, na atual conjuntura política – que não justifica o incumprimento –, esta estrutura só deverá estar constituída daqui a vários meses", aponta a associação.
A Zero destaca também a Estratégia Industrial Verde, cujo objetivo seria acelerar a transição energética, mas que é ainda "uma miragem". "Visto esta estratégia necessitar de parecer prévio por parte do Conselho para a Ação Climática e devido a outros motivos de atraso, antevê-se que a estratégia estará apta a ser iniciada só daqui a um ano".
A Zero nota ainda que Portugal não tem dado passos em linha com outras metas fixadas na legislação, como o fim da subsidiação aos combustíveis até 2030, mantendo a suspensão parcial da atualização da taxa sobre as emissões de carbono no imposto sobre os produtos petrolíferos, ou a restrição à produção e venda de combustíveis ou biocombustíveis que tenham na sua composição óleo de palma ou outros produtos de culturas insustentáveis.
Os ambientalistas alertam também para a falta de clareza sobre a participação dos cidadãos, associações e empresas nas políticas públicas climáticas, sem a existência de um canal de comunicação para questionarem o Governo nestas matérias, pedir sessões de esclarecimento e de debate com os responsáveis políticos e acederem à calendarização de consultas públicas. Atenta ainda, que sem o Governo garantir meios financeiros e humanos técnicos, a maioria dos municípios não conseguiram seguir com planos locais para a ação climática.
Embora neste balanço conclua que “muito pouco foi feito nestes dois últimos anos”, a Zero saúda os "pequenos passos" conseguidos, “mas não graças ao Governo”, defende, exemplificando com a elaboração de dois relatórios como previsto na lei. Um sobre a exposição ao risco climático do setor financeiro levado a cabo pelo Banco de Portugal e a Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões, e o outro sobre o impacto carbónico da atividade e funcionamento da Assembleia da República - um "ponto de partida" para conseguir alcançar a neutralidade climática até 2025, conforme a lei.
Em novembro, o Ministério do Ambiente e Ação Climática considerou que "existem resultados, também reconhecidos internacionalmente, alinhados com os objetivos centrais da Lei de Bases do Clima", garantindo que "materialmente, no que é essencial, os prazos estão a ser cumpridos". A tutela respondia às acusações de um processo judicial contra o Estado movido pela associação ambientalista Último Recurso por inação climática, ao não cumprir com os prazos estabelecidos para implementar medidas fixadas.