Associações acusam ministra de "preconceito" e "desinformação" sobre amamentação
As declarações da ministra do Trabalho sobre a existência de mães que prolongam a amamentação para beneficiar do horário reduzido no emprego estão a gerar polémica junto das associações de defesa das mulheres, que acusam Maria Rosário da Palma Ramalho de ter um "preconceito" contra as mães e de espalhar "desinformação".
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Sara do Vale, fundadora e dirigente da Associação Portuguesa pelos Direitos da Mulher na Gravidez e Parto, acusa a ministra de desconhecer a realidade: "Como é possível a senhora ministra proferir estas afirmações? É de quem não percebe absolutamente nada de aleitamento materno nem de amamentação".
Em causa estão as revelações feitas por Maria Rosário da Palma Ramalho, na entrevista JN/TSF, onde deu conta que propôs limites à possibilidade de horário reduzido na amamentação a um máximo de dois anos porque havia abusos: "Temos conhecimento de muitas práticas em que, de facto, as crianças parece que continuam a ser amamentadas para dar à trabalhadora um horário reduzido, que é duas horas por dia que o empregador paga, até andarem na escola primária".
"É desinformação"
Sara do Vale recorda que a Organização Mundial da Saúde "diz que o bebé deve ser amamentado de forma exclusiva até aos seis meses de vida e depois, em complemento, é até onde a mãe e o bebé quiserem". Critica ainda a insinuação de que as mulheres estão a abusar do direito ao horário reduzido: "Achamos lamentável. O facto de uma mãe querer exercer um direito que é seu ser criticada por isso não nos parece que é proferível numa sociedade de direito".
A dirigente associativa lembra que "somos um país com baixa natalidade, com péssima conciliação entre o trabalho e a família, com uma 'gender gap' [desigualdade entre géneros] vergonhosa e estas medidas anunciadas pelo Governo vêm apenas aumentar este fosso, dificultar a vida dos trabalhadores e são um desincentivo à natalidade". Aconselha, por isso, a ministra "a consultar peritos em amamentação porque é lamentável proferir isto, é desinformação".
"É um preconceito injusto contra mães trabalhadoras"
O Movimento de Cidadãos por 6 Meses de Licença Parental acusa a ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social de fazer um "discurso perigoso, desalinhado com a ciência, com a realidade e os direitos das mulheres". Ouvida pela TSF, Beatriz Vasconcelos, daquele Movimento, diz que "amamentar depois dos dois anos é normal", apesar de "não ser comum em Portugal": "Estas palavras, vindas de uma governante mulher, são profundamente preocupantes, revelam um desconhecimento grave sobre a amamentação prolongada e é um preconceito injusto para com as mães trabalhadoras".
Beatriz Vasconcelos considera que a ministra do Trabalho está a estigmatizar as mulheres e pede uma nova atitude. "Em vez de estigmatizar as mulheres que amamentam, que é isso que está a acontecer, o Governo devia estar a alargar a redução de horário a todos os pais que queiram cuidar dos seus filhos pequenos, independentemente da amamentação. Isso, sim, seria uma medida moderna, igualitária e centrada na infância", assinala.
"Várias mães amamentam até aos sete anos"
As declarações de Maria Rosário da Palma Ramalho suscitaram debate e dúvidas sobre se é possível e se há mulheres a amamentar até à idade em que os filhos vão para a escola primária. A resposta é que sim e isso até é aconselhado, como revela, ao JN, Raquel Chaves, da Associação Portuguesa dos Consultores de Lactação Certificados (APCLC): "É possível, acontece e eu tenho conhecimento de várias mães que amamentaram até aos cinco, seis e sete anos, eu própria amamento o meu filho de três anos e meio".
Raquel Chaves esclarece que "não estão comprovados malefícios relativos à amamentação prolongada" e, pelo contrário, "os benefícios verificam-se sempre". Numa perspetiva científica, completa, "não se comprovaram quaisquer malefícios do foro alimentar, psicológico, relacional ou afetivo", sendo que a amamentação também "não impacta negativamente na alimentação e na introdução de sólidos".
Além disso, refere ainda a dirigente da APCLC, não há um momento do dia previamente definido para que a amamentação ocorra: "A amamentação está recomendada em livre demanda desde o nascimento até ao desmame. É quando a criança solicita".
Recorde-se que o Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social apresentou a 24 de julho um anteprojeto de reforma da legislação laboral, intitulado Trabalho XXI, com o objetivo de flexibilizar e modernizar as leis que regem o trabalho. Entre as alterações está a introdução de um limite máximo de dois anos para as mães que usufruem de horário reduzido no período da amamentação. Geralmente, esta redução é de duas horas por dia numa jornada de trabalho de oito horas.
"O direito à amamentação não é retirado às mães"
Na entrevista ao JN/TSF, Maria Rosário da Palma Ramalho explicou a proposta: "Eu também sou mãe e o direito à amamentação não é retirado às mães. O regime é o mesmo e mantém-se também o regime da aleitação para os pais. Não mexemos nada aí. Mas acho difícil de conceber que, depois dos dois anos, uma criança tenha que ser alimentada ao peito durante o horário de trabalho. Isso quer dizer que se calhar não come mais nada, o que é estranho. Ela deve comer sopa, deve comer outras coisas".
A governante frisou que "o exercício adequado de um direito não deve confundir-se com o exercício abusivo desse mesmo direito" e revelou que tem conhecimento de práticas abusivas: "Infelizmente, também temos conhecimento de muitas práticas em que, de facto, as crianças parece que continuam a ser amamentadas para dar à trabalhadora um horário reduzido, que é duas horas por dia que o empregador paga, até andarem na escola primária". Por isso, explicou, introduziu o limite: "Houve aqui a definição de uma baliza que me parece lógica, que é de dois anos".