O ministro da Saúde tem apontado o aumento das vagas para formação especializada em ginecologia e obstetrícia como uma das soluções para resolver a carência daqueles especialistas nas maternidades públicas. Mas Diogo Ayres de Campos, o perito que está a colaborar com a tutela na reorganização da rede de saúde materna, entende que "o aumento foi muito pequeno e não vai resolver os problemas, tendo em conta as saídas de médicos" do SNS.
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No mapa de vagas para formação de médicos especialistas em 2023, conhecido em outubro do ano passado, abriram 54 vagas em ginecologia e obstetrícia, mais seis do que no ano anterior.
O número tem sido apontado pelo ministro Manuel Pizarro como um dos passos já dados para resolver a grave carência destes especialistas nos hospitais do SNS.
Esta manhã, de quarta-feira, numa audição na Comissão de Saúde, o obstetra Diogo Ayres de Campos reconheceu que o número é insuficiente face à dimensão dos problemas.
"O aumento de vagas foi muito pequeno, não vai resolver, tendo em conta as saídas de médicos" do SNS, disse na fase final da audição.
Questionado pelos deputados sobre os motivos que estão na base da atual crise de médicos, o coordenador da Comissão de Acompanhamento da Resposta em Urgência de Ginecologia/ Obstetrícia e Bloco de Partos apontou a incapacidade para reter profissionais. Por falta de condições atrativas no SNS, os médicos acabam por sair, grande parte para o setor privado.
Em algumas maternidades, como é o caso do Hospital de Bragança que "tem apenas um médico do quadro e este tem mais de 60 anos", as carências são "confrangedoras", reconheceu o especialista.
Horas a mais na urgência
Além da melhoria dos salários e da valorização das carreiras médicas, o médico identificou uma iniciativa que terá tornado o SNS menos atrativo nos últimos anos: a incorporação de parte do horário semanal na urgência, "deixando muito poucas horas para a atividade programada". "Há um total de 26 horas semanais para a urgência e descanso compensatório", disse, considerando que sobra pouco para consultas, cirurgias e outras atividades.
Diogo Ayres de Campos frisou que a comissão que coordenou não propôs o encerramento de maternidades, como foi anunciado no final de setembro. O que fez foi, no âmbito da proposta de rede de referenciação hospitalar, "identificar seis maternidades que, do ponto de vista da distância para outros hospitais e da resposta neonatal, podiam ser encerradas com segurança, se fosse esse o entendimento político". Isto no plano teórico, realçou, notando que "não foram feitas visitas às maternidades para perceber se há condições hoteleiras, se os profissionais de saúde estão disponíveis para mudar".
O documento não foi tornado público, mas as maternidades em causa são as dos hospitais da Póvoa de Varzim e de Famalicão, na região Norte, as dos hospitais do Barreiro e de Vila Franca de Xira, em Lisboa e Vale do Tejo, e as da Guarda e de Castelo Branco, na região Centro.
Fechos alternativos "não são solução civilizada para um país europeu"
Sobre a solução encontrada pela Direção Executiva do SNS para a resposta das maternidades no Natal e Ano Novo, com urgências e blocos de parto abertos rotativamente, Diogo Ayres de Campos voltou a assinalar que esta solução deve ser temporária e não definitiva. "Neste período foi útil, é melhor haver encerramentos programados do que não programados, como estava a acontecer. Mas achamos que os encerramentos alternativos não são uma solução civilizada para um país europeu", disse, referindo-se à quebra de ligação entre grávida e hospital.