Anúncios em vídeos, jogos e redes sociais aliciam vítimas para investimentos milionários em forex ou criptomoedas.
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O cibercrime disparou durante a pandemia e ainda não abrandou: só na primeira metade deste ano, a Procuradoria-Geral da República (PGR) já recebeu 594 denúncias, mais do que em todo o ano passado (544) e quase o triplo das registadas em 2019 (193). Entre os diversos tipos de crime, segundo a PGR, as burlas com criptomoedas, forex e outros ativos financeiros têm tido uma "enorme expansão". Como não há regulação desse tipo de ativos, nem o Banco de Portugal (BdP), nem a Comissão de Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) intervêm. Os criminosos escondem-se atrás de computadores espalhados por todo o mundo e não são condenados.
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L.C. abordou o JN para relatar um tipo de burla que sofreu há pouco mais de um mês. "Vi um anúncio no YouTube sobre uns investimentos em ações, achei que era mais seguro do que criptomoedas, então decidi verificar a página da Roinvesting. Fiquei tranquila quando vi que estava registada na CySEC (Cyprus Securities and Exchange Commission), o regulador equivalente à CMVM em Portugal", relatou.
Em poucos dias, L.C. foi convencida a aumentar o investimento. Depois, perdeu tudo. "Estava a ganhar dinheiro e começaram a telefonar todos os dias, a convencer-me a investir mais para ter outro nível e poder ganhar mais. Depois de transferir, entrei no site e tinha desaparecido tudo. Disseram que tinha corrido mal, deixaram de telefonar. Acho que era tudo falso: os relatórios das ações, a valorização do meu dinheiro...", contou, sem querer revelar a identidade, mas determinada a "avisar as pessoas que as autoridades não fazem nada para impedir".
O JN contactou a Roinvesting através dos meios divulgados no site da empresa, mas não obteve resposta. Quanto às autoridades, a CMVM explica que, no ano passado, fez 12 comunicações ao Ministério Público. Mas só supervisiona o mercado de instrumentos financeiros ou "criptoativos que possam ser qualificados juridicamente como instrumentos financeiros". A informação sobre entidades autorizadas a exercer atividade (com criptoativos ou como intermediários financeiros, nacionais ou da UE) está dispersa e obriga a saber o que procurar.
Sem regulação
O BdP, por sua vez, supervisiona criptomoedas, mas apenas para prevenção de "branqueamento de capitais e do financiamento do terrorismo". Só as entidades nacionais que exercem atividades com ativos virtuais estão sujeitas a registo e podem ser fiscalizadas, mas as estrangeiras têm roda livre e a maioria regista-se no Chipre (ler explicação ao lado). Não há regulação para as criptomoedas, por isso ninguém supervisiona. A nível europeu, a regulação está ainda a nível de proposta do Parlamento Europeu e do Conselho sobre os mercados de criptoativos MiCA ("Markets in cryptoativos assets").
"Durante o primeiro semestre de 2021, assumiram expressão as denúncias respeitantes a burlas com transações sobre criptomoedas", alerta a PGR. "Têm-se multiplicado as notícias de páginas fraudulentas na Internet cujos gestores, depois de convencerem as vítimas a realizar promissores investimentos em negócios sobre aqueles ativos, desapareceram. Foi a este respeito emitido publicamente o Alerta Cibercrime de 2 de maio de 2021", acrescenta.
Porque o "modus operandi" desses sites é comum a várias fraudes, deixamos a descrição na coluna à esquerda. André Gouveia, analista financeiro da Deco, recomenda que "desconfie de tudo o que vê na internet" e "jamais invista sem provas de idoneidade".
Decreto-lei
Lei promulgada
O presidente da República promulgou no sábado o decreto-lei que cria proteção adicional para os consumidores face a atividade financeira não autorizada.
Proibido difundir
Além de proibir que qualquer pessoa partilhe produtos financeiros não autorizados, a lei exige aos anunciantes prova prévia de autorização para atividade.
Canais de denúncia
As autoridades de supervisão financeira terão de disponibilizar nos seus sites um "canal de denúncias expedito e com visibilidade" onde estarão expostos também os alertas públicos difundidos.
O "modus operandi" dos criminosos online
Burlas online
A Procuradoria-Geral da República (PGR) lançou um alerta sobre as "burlas relacionadas com plataformas online de suposta negociação no mercado de criptomoedas e no mercado forex", com um guião muito típico.
Alta rentabilidade
Os anúncios surgem na internet e prometem ganhos elevados a quem investir. "Recorrem a métodos agressivos de abordagem, incluindo contactos pessoais, por telefone", diz a PGR. Persuadida a vítima a transferir quantias moderadas, "é simulado um ganho, que tem apenas em vista convencer a realizar mais investimentos"
Fim da ilusão
Quando o investimento aumenta, acaba-se a ilusão: "Logo que são transferidas quantias mais avultadas, todo o investimento é perdido e a vítima não mais consegue recuperar o seu dinheiro". Além disso, "logo que a vítima chega ao limite do que pode gastar, os supostos traders deixam de estar contactáveis e desaparecem. Paralelamente, podem ter instalado software que permite roubar dados.
Recomeçar
Todos os dias nascem novos anúncios com o mesmo esquema, de estilo semelhante com URL diferentes.