Dificuldades são maiores em Lisboa devido ao preço do alojamento. Falta de recursos prejudica socorro.
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No ano passado, o INEM abriu um concurso com 125 vagas para técnicos de emergência pré-hospitalar (TEPH), mas mais de metade ficaram por ocupar. Só 61 profissionais assinaram contrato para reforçar as ambulâncias do instituto e as centrais de atendimento e acionamento de meios. A crise de TEPH agrava-se em Lisboa, onde o elevado custo de vida é incompatível com remunerações baixas.
O concurso terminou em dezembro com 77 candidatos aprovados, mas 16 não aceitaram o posto de trabalho após vários meses a prestarem diversos tipos de provas. Apenas 61 iniciaram, em janeiro, a formação TEPH, que dura cerca de seis meses. E alguns ficarão pelo caminho, como sempre acontece. Nos últimos anos, 82 técnicos saíram do INEM logo após o período experimental ou concluíram-no sem sucesso, revelou o instituto em resposta ao JN.
Em Lisboa, o recrutamento ficou muito aquém das expectativas. O concurso previa 75 vagas para aquela delegação, a mais desfalcada do país, mas só 18 foram ocupadas. Em contraste, as vagas do Porto (25) e do Centro (15) foram todas preenchidas. Em Faro, apenas três das dez vagas foram ocupadas. Ao JN, o INEM informou que "já iniciou o procedimento para abertura de um novo concurso para recrutamento de novos TEPH", mas não especificou quantas vagas terá.
Propostas na gaveta
Há vários anos que o INEM se debate com dificuldades para contratar e fixar TEPH, sobretudo em Lisboa. E o problema reflete-se no socorro, com meios inoperacionais, turnos de ambulâncias fechados, chamadas em espera e atrasos na resposta.
Quem vive na região "tem outras ofertas mais interessantes" - nos bombeiros e na Cruz Vermelha ganha-se mais, diz o presidente do sindicato dos TEPH -, e quem está disponível para ir do Norte ou do Centro tem muita dificuldade em suportar as despesas de alojamento e viagens.
O JN sabe que já foram apresentadas ao Conselho Diretivo do INEM propostas, mas que não tiveram acolhimento. Uma passava por fazer um acordo com o Ministério da Defesa para alojar em quartéis técnicos que vão de outras regiões para Lisboa. Refira-se que o INEM já utiliza algumas infraestruturas militares para as bases das ambulâncias. Incentivos para os profissionais deslocados e envolvimento da Câmara de Lisboa na procura de alojamento foram outras propostas, sem eco.
Rui Lázaro, presidente do sindicato dos TEPH, acusa o presidente do INEM de "total inação". E várias fontes corroboram as críticas. O JN perguntou ao instituto que soluções está a estudar no sentido de atrair mais profissionais para Lisboa, mas não obteve resposta.
Partilham quartos e T2 para aguentar rendas
Técnicos deslocados em Lisboa vivem em condições precárias. Um dormia no carro para evitar deslocações.
A maioria dos técnicos de outras regiões do país que estão a trabalhar em Lisboa partilham quartos e casas para conseguirem suportar as rendas. "Chegam a ser cinco, seis, sete e mais em T2", contaram, ao JN, profissionais do INEM. Um dos casos mais precários dos últimos anos foi de "um técnico que pernoitava no carro ou nos sofás do instituto" quando fazia turnos duplos (sair à meia-noite e entrar às oito horas do dia seguinte) para evitar deslocar-se a casa, a cerca de 80 quilómetros.
"Em Lisboa, ganha-se mais num Uber ou num supermercado do que a trabalhar para o INEM", refere um técnico, que pediu para não ser identificado. Vive a cerca de 230 km da capital e paga 450 euros por um T2, que partilha com outra pessoa. O proprietário não passa recibo, pelo que não pode descontar a renda no IRS. Se for visitar a família duas vezes por mês - de carro, para aproveitar três dias em casa em cada viagem -, gasta cerca de 200 euros em gasolina e portagens. Com um salário base de 860 euros, pouco sobra. "Desde que estou em Lisboa, nunca mais consegui ter a minha conta organizada", reconhece, adiantando que só com o apoio da mulher e fazendo uma "infinidade de turnos extra" paga as despesas.
Apaixonado pelo pré-hospitalar, começou nos bombeiros, perto de casa, mas decidiu ir para o INEM por ser o padrão do setor e uma oportunidade na Administração Pública. A desilusão foi rápida. "Uma carreira criada a pontapé", pouca formação, "só dois terços dos protocolos em vigor" e turnos de ambulância extenuantes em que "não dá para descansar cinco minutos na base". Tentou um concurso de mobilidade para se aproximar de casa, mas enquanto Lisboa estiver desfalcada, só o deixam sair se houver troca.