No Norte do país, onde a tradição do uso de barracas de praia foi sempre mais forte, principalmente como forma de abrigo das nortadas, o negócio já conheceu dias melhores. No geral, a procura tem decrescido.
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"É um negócio que tem vindo a decrescer ao longo dos anos. Este ano, quem montou diminuiu muito o número de barracas, também por falta de gente para trabalhar", aponta o vice-presidente da Associação de Concessionários de Praia da Zona Norte, Vítor Gonçalinho, que constata essa realidade sobretudo no concelho de Matosinhos, com exceções, por exemplo, em praias como as de Leça e do Marreco (Lavra), onde se mantêm a trabalhar dois funcionários antigos. Embora com menos barracas, quando comparado com anos anteriores.
"Dos anos 1990 para 2000, o negócio caiu acentuadamente. Antigamente, as pessoas vinham do Interior, de autocarro, e alugavam barracas, para ficarem o dia todo e proteger-se. Mas houve uma mudança de hábitos: agora, vêm de carro, e conseguem ver a meteorologia antes. Se estiver encoberto, já não vêm", explica Vítor Gonçalinho, que é concessionário no concelho de Matosinhos.
Também em Vila do Conde e na Póvoa de Varzim, onde o aluguer custa 50 euros por semana, há menos procura. Tal como sucede em Esposende, onde a concessão "Suave mar" cobra o mesmo valor. Já Ofir, neste concelho, vive outra realidade: apesar de pedir 75 euros à semana, o concessionário diz não ter razões de queixa. Em Gaia, José Custódio, que este ano alugou as concessões, afirma que "as barracas que há, embora sejam poucas, estão todas alugadas".
Na zona Centro, a Figueira da Foz ainda mantém a tradição e, embora haja maior procura por chapéus, há a esperança de que neste mês o negócio possa melhorar e voltar ao ritmo pré-pandemia.
Pormenores
50 euros
É o preço médio do aluguer por semana nas barracas na Póvoa de Varzim e em Esposende. Em Ofir, Fão, o preço sobe para 75 euros pelo mesmo período.
Escolas ajudam
Em julho, infantários e colégios alugam barracas para maior segurança das crianças. E isso, atalha Adriano Gaiteiro, é uma boa ajuda.
Areais vazios
As praias da Senhora e Azul, em Leça da Palmeira, deixaram de ter barracas por falta de mão de obra, disse ao JN Vítor Gonçalinho, da Associação de Concessionários de Praia da Zona Norte. E diz que não são casos únicos.
Tem dado para recuperar dos dois últimos anos
Os cerca de meia centena de toldos e chapéus de sol presentes na praia de Buarcos, na Figueira da Foz, são divididos entre as concessões de Fernanda e Madalena. Com muitos anos de atividade, revelam que o negócio está próximo dos números anteriores à pandemia, que quase imobilizaram o aluguer dos últimos dois verões. Ontem de manhã, mais de metade dos chapéus e barracas estavam ocupados, apesar do tempo nublado.
"Não tem sido mau, e tem dado para recuperar dos últimos dois anos, que foram péssimos", conta ao JN Fernanda Martins, que concessiona, com o marido João, cerca de 30 espaços. Nos 15 anos que já conta de experiência no setor, Fernanda vê 2022 com esperança. "Cada vez há mais aluguer de chapéus, o das barracas é que diminuiu um pouco. Mas está dentro dos níveis que tínhamos no pré-pandemia", salienta.
Tempo não tem ajudado
A uns metros de distância, Madalena Ascenso toma conta da outra concessão, negócio que tem com o filho e a nora. "Já houve anos melhores, mas tem havido mais procura do que nos tempos da pandemia", revela
No entanto, está a contar que o mês de agosto fortaleça o negócio. "Os primeiros dias têm sido maus por causa do tempo, tem estado nublado de manhã e só abre a meio da tarde. Mas vamos ver se este mês garante o sucesso da época balnear", entende.
Madalena já não se recorda há quanto tempo tem a concessão na praia de Buarcos. "É há muitos anos. Já lhes perdi a conta", afirma, sorridente. A concessão de Madalena Ascenso tem os chapéus a 15 euros por dia e as barracas a oito.
Fernanda Martins tem o mesmo preço nas barracas e os chapéus a menos dois euros. "Há mais de dez anos que não mexo nos preços", refere Fernanda, enquanto Madalena aponta que estes também se têm mantido idênticos ao longo dos últimos anos.
Apesar de o Executivo camarário ter mudado, os concessionários revelam que as condições da concessão foram as mesmas. "Está tudo dentro do que foram os outros anos e tem corrido bem. Este Executivo tem algumas ideias aqui para a praia que nos poderão beneficiar no futuro, como o alargamento dos passeios e a criação de mais zonas de diversão", destaca Fernanda.
Montámos 80 barracas. Agora, se tiver 30 é muito
Chegou a ser quase um arco-íris o areal macio de Leça da Palmeira, a espraiar-se entre o paredão norte do porto de Leixões e a piscina das marés, recortado em quadrados pelas barracas de praia. Olhos de mar, pele tisnada pelo sol a vida toda, Adriano Gaiteiro conta que "tinha à volta de mil barracas, desde aqui [junto ao Bar do Óscar] até à piscina. Alugavam-se todas: às 9 da manhã já não havia barracas para alugar".
"Eram cinco concessionários", recorda Gaiteiro, que arma barracas há meio século - desde os 10 anos de idade, e sempre em Leça, a praia do coração. Este ano, já teve de desmontar perto de meia centena, e prepara-se para arrumar mais "umas dez, porque não vale a pena". "Ficam 30 vestidas, como costumo dizer", contabiliza a mulher, Fátima Oliveira, que na manhã enevoada de ontem estivera diante da máquina de costura a remendar os panos já retirados, que são lavados e dobrados, à espera do próximo verão.
"Montámos 80 barracas no início [da época balnear]. Agora, se tiver 30 é muito. E dão prejuízo", lamenta o concessionário, Óscar Oliveira, a apontar uma "mudança de hábitos" dos clientes, que hoje em dia vão à praia em transporte próprio e já a saber as condições meteorológicas.
Fidelidade
Noutros tempos, uma manhã húmida e carregada de nevoeiro como a de ontem renderia o aluguer de mais algumas barracas, mas só a "meia dúzia" de clientes fiéis acorreu à praia, observava Adriano Gaiteiro.
"Venho para aqui há 54 anos. Temos a barraquinha, e a dona Fátima dá assistência à minha mãe, que tem 90 anos e faz praia durante todo o mês de agosto. Temos aqui um porto de abrigo", agradece Cláudia Costa, realçando que todo o serviço "é importantíssimo para idosos e para quem tem crianças, por causa do vento e para não virem com pára-vento e guarda-sol". "Sem barraca não fico, porque se estiver frio ou calor fico lá dentro", atalha a mãe, Fernanda.
Fiéis à praia de Leça e às barracas de Adriano e Fátima, António e Margarida Moreira são um casal de septuagenários que precisa de usar três transportes públicos, desde Gueifães, na Maia, até chegar ao areal. Ali, já criaram laços de amizade com os poucos clientes que restam e com o "banheiro", como costumam tratar Gaiteiro.