Bastonária dos Enfermeiros escapa a processo: críticas foram "opiniões pessoais"
O Conselho Jurisdicional da Ordem dos Enfermeiros decidiu pelo "indeferimento liminar" da queixa apresentada por um conjunto de enfermeiros contra a atual bastonária, Ana Rita Cavaco, por entender que "os factos relatados não constituem infração disciplinar". Em causa estão várias publicações no Facebook visando personalidades envolvidas no processo de vacinação.
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Segundo o acórdão, as várias publicações de Ana Rita Cavaco no Facebook não violaram o "dever de correção e urbanidade", uma vez que "nenhum dos visados é enfermeiro" e que esse dever "é para com os membros da Ordem".
Em causa estão várias publicações naquela rede social visando várias personalidades, entre as quais a presidente da Câmara de Portimão, Isilda Gomes, a quem a bastonária tratou por "gorda fura filas" depois de ter vindo a público que teria sido vacinada contra a covid-19 antes do tempo previsto, por estar a trabalhar como voluntária numa unidade de apoio a doentes covid.
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Os outros visados na queixa apresentada junto do Conselho Jurisdicional (CJ) foram o presidente da Assembleia Municipal de Arcos de Valdevez, Francisco Rodrigues Araújo, a diretora regional do Instituto de Segurança Social do Algarve e o secretário de Estado da Descentralização e Administração Local, Margarida Flores e Jorge Botelho, o comentador Daniel Oliveira e a ministra da Justiça, Francisca Van Dunem.
Por um lado, o CJ alega que "nenhum dos visados é enfermeiro" e, por outro, nenhum deles apresentou queixa. Na deliberação, a que o JN teve acesso, o CJ considera que o discurso da bastonária se apresenta como "uma opinião pessoal, subjetiva, suportada pela invocação de factos que apontam para essa mesma opinião, não é um discurso objetivamente difamatório, pelo que nele não pode ser assacada qualquer infração cometida e consequente responsabilidade disciplinar". "Estamos perante o exercício de liberdade de expressão", é uma das conclusões.
No acórdão lê-se também que as publicações de Ana Rita Cavaco "vão no sentido do cumprimento" da defesa dos interesses gerais dos enfermeiros. O CJ chega, inclusivamente, a citar o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, que "tem vindo a defender que, quando estão em causa questões do interesse público, ou de interesse alargado e figuras públicas - como é o caso -, os limites da crítica admissível têm de ser apreciados de uma forma muito mais lata que aqueles que envolvem a crítica de um cidadão comum, anónimo".
O CJ considerou que as seis publicações citadas na participação disciplinar se dividem em dois grupos distintos. O primeiro versa sobre os comentários da Ana Rita Cavaco sobre a enfermeira Leila Sales: "[Na Ordem dos Enfermeiros] (...) a cadeia de comando é clarinha como água e terei mão extremamente pesada para invenções ou más intenções. Num processo tão sério e importante não haverá espaços para parvoíces ou voluntarismos de pessoas com outras intenções. Fica o aviso."
Os signatários defendem que esta publicação representou uma ameaça a outra enfermeira, mas o CJ alega que "tais considerações não merecem acolhimento". Refere ainda que Ana Rita Cavaco "tem legitimidade para participar à Ordem dos Enfermeiros factos suscetíveis de constituir infração disciplinar, sendo que tanto o pode fazer enquanto cidadã ou membro direta ou indiretamente afetadas pelos factos que pretende participar".
Nesse sentido, "não se retira a prática de qualquer infração" da bastonária, que apenas alertou enfermeira "de que poderia vir a exercer aqueles que são os seus direitos (...), não só enquanto cidadã e membro afetada pelos factos que por aquele pudesse vir a ser praticados, mas também como Bastonária e, por inerência, Presidente do Concelho Diretivo".