Numa altura em que tanto se fala da ameaça dos plásticos, um estudo revela que, afinal, a maior fonte de poluição são mesmo as pontas de cigarros. A maior parte é atirada ao chão das cidades, onde se infiltra nas sarjetas e acaba nos oceanos. Em todo o Mundo, são atiradas para o chão 2,3 milhões de beatas por minuto. Por cá, foi aprovada legislação para combater esta prática.
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Um estudo divulgado pela NBC News, com base no relatório da ONG (Organização não Governamental) Ocean Conservancy, indica que as beatas de cigarro representam 13% do lixo mundial. O mesmo documento leva à conclusão que este resíduo já ultrapassou o plástico na contaminação dos oceanos, sendo que a sua origem principal é comum: as cidades. Um alerta que vem ao encontro do projeto de lei do PAN aprovado há dias na Assembleia da República, que prevê a existência de cinzeiros em estabelecimentos e coimas elevadas para quem deitar beatas para o chão.
Na apresentação da proposta, o deputado do PAN, André Silva, revelou que em Portugal "estima-se que são atiradas para o chão cerca de 7000 beatas por minuto". A nível mundial, estes números atingem, porém, uma dimensão astronómica. Estima-se que 4,5 biliões de pontas de cigarro sejam descartadas indevidamente todos os anos, à média de 2,3 milhões por cada 60 segundos.
"Os filtros absorvem os poluentes dos cigarros, como é a sua função, logo a beata é um resíduo contaminado", explica ao JN Urbano Susana Fonseca, da associação ambientalista Zero. Sublinha que "uma só beata não apresenta grande concentração", mas o problema sério começa na "grande concentração destas que se verifica num meio urbano".
Na verdade, as beatas são atiradas ao chão pela mão dos fumadores e podem acabar no estômago de todos nós. Como? "Sendo um material leve, é facilmente arrastado e, com a chuva e com o vento, passa para as sarjetas e esgotos, acabando por ir parar ao mar", explica a investigadora. E é nos oceanos que estes resíduos são consumidos pelas espécies marinhas, acabando, posteriormente, nas nossas mesas.
"Campos de minas" à porta das empresas
Os números são alarmantes. Por ano, seis biliões de cigarros são consumidos no Mundo. Destes, estima-se que 64% acabem nas ruas, parques, rios, florestas ou praias. Mas a maioria começa a "viagem" nas cidades, que é onde há maior concentração populacional. E nestas, com a evolução das leis antitabágicas dos últimos anos, cresceram em paralelo outras realidades. "Basta olhar para o chão à porta das empresas, onde as pessoas se começaram a concentrar para fumar, devido à proibição de o fazerem nas instalações, para constatar a enorme quantidade de beatas que ali se concentra", exemplifica Susana Fonseca.
Locais como estes tornaram-se verdadeiros "campos de minas", mas há outros como, por exemplo, parques de estacionamento, onde é vulgar ver condutores a abrirem a porta dos automóveis e a despejarem cinzeiros no chão.
Diogo Raposo e António Raminho, dois estudantes de 19 anos, de Lisboa, aproveitaram um trabalho curricular do 12.o ano para desenvolver um projeto social em torno do problema das beatas. Deste acabaria por sair a plataforma "Beata no Chão Gera Poluição", que conta já com cerca de 500 seguidores no Facebook. Em conjunto, promoveram ações de limpeza em Cascais, afixaram postais em escolas e restaurantes e distribuíram uma espécie de cinzeiros portáteis.
Ao "JN Urbano", Diogo destaca que, após estas iniciativas, reforçaram a convicção que o hábito de acabar de fumar e deitar a beata no chão está "demasiado enraizado".
"As pessoas veem a beata como uma coisa pequena, às vezes brincam a atirá-la ao ar", observa Susana Fonseca, sublinhando que "até os jovens têm esse hábito". "Nem é um problema de mudar mentalidades muito antigas", destaca.
Diogo Raposo confirma, mas salienta que, entre os seus amigos, os comportamentos são mistos. "Uns estão sempre a pedir-me mais cinzeiros para distribuírem, mas também há quem me conheça desde sempre, saiba que tenho este projeto, mas fume à minha frente e atire as beatas para o chão", revela.
A "inimiga" calçada portuguesa
O jovem estudante conta que, só numa ação de limpeza realizada em Cascais, "20 pessoas apanharam 9000 beatas em duas horas". Quanto às reações, diz que "inicialmente é a curiosidade que se destaca" depois "a consciencialização". "Ficavam surpreendidas com os números que revelávamos e com a dimensão do problema", conclui.
O "JN Urbano" acompanhou recentemente uma destas campanhas promovidas pela Junta de Freguesia de Arroios, em Lisboa, onde confirmou esta realidade.
Munidos de luvas e garrafas de plástico, os voluntários dobram-se para recolher os resíduos, e ao cabo de poucos minutos constatam que os recipientes estão cheios e ainda nem andaram um quarteirão. "Não estava à espera que fossem tantas", diz Joana Clemente, uma das participantes já com a sua garrafa bem cheia. E destaca o quão difícil é remover as beatas entaladas entre as pedras da calçada portuguesa. "Isto não sai com as vassouras. Só manualmente", adianta.
Antes também atirava as beatas fora, agora ando sempre com uma garrafa de plástico, onde as vou guardando
León é espanhol e juntou-se ao grupo. Confessa também que nunca imaginou que "fossem tantas" e explica que junto a estaleiros de obras ou paragens de autocarros "a concentração é muito maior". Conta ainda que tem "muitos fumadores na família" e que os adverte que "este é o lixo que ninguém vê", mas sustenta que "só a educação cívica pode mudar o panorama". "As multas não chegam", diz.
Clara Martins é funcionária da Junta de Arroios e confessa que já foi tocada pela preocupação ambiental e mudou comportamentos. "Antes também atirava as beatas fora, agora ando sempre com uma garrafa de plástico, onde as vou guardando", conta, enquanto vai "lutando" com a calçada para arrancar os resíduos. "E muitas nem as vemos. Acabam sempre por ficar algumas por apanhar", conclui.