Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais ouvido esta quarta-feira de manhã no Parlamento. Deputados acusam Autoridade Tributária de não cumprir a lei e de retirar benefícios a doentes graves.
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Entre 2018 e o corrente ano, o número de contribuintes com grau de incapacidade igual ou superior a 60% com acesso a benefícios fiscais aumentou em 110 mil. São agora 460 mil, num "investimento" superior a 400 milhões de euros, revelou, na manhã desta quarta-feira, o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais. Nuno Félix foi ouvido, na Comissão Parlamentar de Orçamento e Finanças, a pedido do Bloco de Esquerda sobre o "incumprimento do princípio da avaliação mais favorável nas avaliações feitas por junta médica", com a deputada Catarina Martins a acusar a Autoridade Tributária (AT) de não cumprir a lei.
Em causa, explique-se, está a lei n.º 80/2021, que veio clarificar os processos de revisão ou reavaliação do grau de incapacidade na sequência do entendimento até então feito pela AT. Passando a estar plasmado na lei que "sempre que do processo de revisão ou reavaliação de incapacidade resulte a atribuição de grau de incapacidade inferior ao anteriormente atribuído, e consequentemente a perda de direitos ou de benefícios já reconhecidos, mantém-se em vigor o resultado da avaliação anterior, mais favorável ao avaliado, desde que seja relativo à mesma patologia clínica que determinou a atribuição da incapacidade e que de tal não resulte prejuízo para o avaliado". Princípio que, vincaram os deputados, não está a ser cumprido.
No Parlamento, o governante desmontou a interpretação da AT, conforme ofício de agosto do ano passado, segundo a qual "mesmo que haja nova avaliação de incapacidade, que a patologia seja a mesma mas a alteração da percentagem de incapacidade se deva a alteração de critérios técnicos [decorrentes da aplicação da nova tabela nacional de incapacidades], não deve ser alterado o direito" ao benefício fiscal. O que já não se verifica, disse, "perante um contribuinte com melhorias da situação clínica e em que a alteração se deva à evolução da situação clínica e não da alteração de critérios técnicos". Tal, frisou Nuno Félix, e sendo o IRS um imposto de base anual "que não se aplica sobre rendimentos futuros", significaria conceder aquele benefício "'ad aeternum'".
Contudo, como vincou o deputado do PCP Duarte Alves, "a lei é muito clara: vale sempre a avaliação mais favorável desde que dentro da mesma patologia". Recordando ao secretário de Estado que em lado nenhum a lei se refere a "critérios técnicos". Também Catarina Martins recordou que o Atestado Médico de Incapacidade Multiuso (AMIM) é válido por cinco anos, pelo que "não é a AT que decide, ano a ano, se há melhoria clínica, nem decide o AMIM ano a ano". Questionando Nuno Félix: "A lei é tão pequenina, onde estão as coisas de que falou?".
O secretário de Estado dos Assuntos Fiscais escudou-se no facto de o IRS ser um imposto anual, vincando que "nos casos em que há melhoria clínica dentro de um mesmo ano tributário, existindo duas avaliações diferentes, é aplicada a mais favorável". Já no anos seguintes "àquele em que se verifica o processo de revisão/reavaliação, em que resulte desse processo a atribuição de um grau de incapacidade inferior a 60%, o mesmo já não é fiscalmente relevante", não havendo, por isso, "direito à aquisição do regime fiscal das pessoas com deficiência", pode ler-se no ofício da Autoridade Tributária. Alertando Nuno Félix para a hipótese de se ter alguém com reavaliação de incapacidade para 20% e manter o benefício e de alguém com avaliação de 55% não o ter.
Perante os deputados, o governante adiantou, ainda, que neste ano havia "cerca de 460 mil portugueses que recorriam a estes benefícios fiscais por terem um grau de incapacidade igual ou superior a 60%", valor que em 2018 estava nos 350 mil. Sublinhando o "investimento muito significativo, superior a 400 milhões de euros".
Questionado sobre os atrasos nas juntas médicas - o próprio deputado do Chega Jorge Galveias revelou estar há dois anos e meio à espera, depois de o PS ter revelado terem sido realizadas, no ano passado, 86 mil juntas - e o seu impacto no acesso a estes benefícios, o governante revelou que, em articulação com o Ministério da Saúde, estão a ser criadas "condições de interoperabilidade para evitar burocracia e de se ter de 'percorrer as capelinhas' para apresentar o atestado". Sobre o impacto dos atrasos, garantiu que "sempre que exista uma emissão de AMIM tardia e em que esse atestado faça referência à data de início da situação clínica, nesses casos a AT admite uma declaração de substituição do IRS [até 120 dias após emissão do AMIM]e procede à reliquidação do imposto".