Boaventura Sousa Santos voltou a negar, esta quarta-feira, as alegações de assédio sexual no Centro de Estudos Sociais (CES) da Universidade de Coimbra, defendendo que é alvo de uma "difamação anónima, vergonhosa e vil", assim como alguns investigadores e o próprio centro de investigação da instituição de ensino. Numa carta aberta, o diretor emérito do CES anuncia que vai avançar com uma queixa-crime por difamação contra as três autoras do artigo em que foram feitas as denúncias.
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Numa carta aberta enviada a todos os investigadores do CES, a que o JN teve acesso, intitulada "Diário de uma difamação - 1", o professor catedrático e sociólogo de 82 anos considerou a "informação caluniosa" sendo anónima e "assente em boatos". Ainda que no artigo em questão não sejam mencionados os nomes dos responsáveis, os acusados são o sociólogo Boaventura Sousa Santos e o antropólogo Bruno Sena Martins, investigador da instituição. Ambos negam todas as acusações.
"É para mim evidente que o texto difamatório de que sou vítima e a instituição que dirigi durante mais de quarenta anos configura uma intenção de assassinato de caráter que corresponde a um padrão de comportamento bem documentado na literatura e que neste caso se centrou na minha pessoa para proceder à vingança institucional", pode ler-se.
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Recorde-se que a polémica surgiu na terça-feira depois de ser tornado público o artigo "The walls spoke when no one else would" ("As paredes falaram quando mais ninguém o fez"), do livro "Sexual Misconduct in Academia" ("Má conduta sexual na Academia"), publicado pela prestigiada editora britânica Routledge. No artigo, três investigadoras que passaram pelo CES - Lieselotte Viaene, Catarina Laranjeiro e Miye Nadya Tom - acusam investigadores daquele centro de investigação de usarem o seu poder sobre jovens estudantes e investigadoras para "extrativismo sexual".
"À partida quero afirmar que todos os casos de conduta incorreta referidos no texto por parte de quem seja, se confirmados, devem ser prontamente julgados tanto no CES como nas instâncias judiciais e como ao tempo era diretor do CES assumo institucionalmente responsabilidades por eventual negligência que possa ter havido", aponta.
À margem do processo de inquérito que será levado a cabo pelo CES, Boaventura Sousa Santos decidiu que vai avançar com uma queixa-crime por difamação contra as três investigadoras. "Declaro-me disponível para dar todas as informações e prestar todos os esclarecimentos que me sejam pedidos, quer no âmbito do processo judicial, quer no âmbito dos processos internos, que o CES certamente vai pôr em movimento".
Neste documento de seis páginas, Boaventura Sousa Santos sublinha que nunca reuniu com duas das autoras (Catarina Laranjeiro e Miye Nadya Tom), apenas com Lieselotte Viaene, de quem foi supervisor do estágio internacional Marie Curie e que agora acusa de praticar "um ato miserável de vingança institucional e pessoal". Remontando ao período em que a investigadora esteve no CES, o professor catedrático apontou que o seu comportamento "foi de tal ordem insolente e incorreto" que terá levado a um processo disciplinar e à não aprovação que indicasse o centro de investigação como instituição de acolhimento num projeto de candidatura ao European Research Council. Lieselotte Viaene foi despedida em junho de 2018, nota.
Boaventura mostra-se "revoltado" com dois aspetos. "O primeiro, é o indigno envolvimento dos meus assistentes de investigação que, segundo a autora principal, eu teria explorado ou aproveitado indevidamente. Obviamente que me apoiaram na investigação porque foi para isso que foram contratados .Mas os meus livros fui quem os escreveu", diz. "Escrevi muitos livros porque trabalho incessantemente e nunca tive férias, porque amo o meu trabalho e porque tenho uma secretária e uma assistente de revisão de texto, duas pessoas maravilhosase excelentes profissionais que há várias décadas me acompanham", afirmou.
O outro aspecto que diz que "particularmente o ofende e repugna" diz respeito aos convívios que durante muitos anos ocorreram depois das suas aulas no restaurante Casarão.
"Só mentes perversas podem transformar o mais são convívio entre estudantes e professores e maquiavélicas maquinações de pastores de pobres rebanhos de estudantes. Convido todos e todas a irem ao restaurante ver os quadros de azulejos com os nomes dos estudantes de doutoramento que ao longo dos anos partilharam bons momentos de conversa, leitura de poesia e música. Diz-me o dono do restaurante que ainda hoje vêm estudantes do Brasil mostrar aos seus filhos os quadros onde estão os seus nomes quando eram aqui estudantes. Que perversidade pode transformar uma convivência no mais puro espírito académico em manipulações de consciência e em rituais de fidelidade!", escreve.