Investigadoras denunciaram condutas sexuais inapropriadas no Centro de Estudos Sociais. Visados nas acusações dizem ser alvo de difamação e de incitamento ao "linchamento". Estudantes defendem divulgação ampla de canais de denúncias nas universidades portuguesas.
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A Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior (A3ES) vai lançar em breve uma "avaliação institucional" sobre as universidades portuguesas, com um capítulo dedicado à "integridade académica". No documento serão analisados os problemas de assédio, de igualdade de género e de inclusão de pessoas desfavorecidas, garante João Guerreiro, presidente daquela agência.
O Centro de Estudos Sociais (CES) da Universidade de Coimbra anunciou, na terça-feira, que vai constituir uma comissão independente para investigar os alegados casos de assédio moral e sexual denunciados num livro por três investigadoras. Mais casos de alegadas vítimas são descritos na obra. A nova polémica sobre eventuais crimes sexuais e morais no Superior levou estudantes e especialistas a pedirem mais transparência nos canais internos de denúncia das universidades.
"Todos os aspetos que são fundamentais e sobre os quais as instituições de Ensino Superior têm de dar o exemplo vão ser um capítulo essencial da avaliação institucional que vamos fazer", disse João Guerreiro ao JN. O presidente da A3ES revela que às universidades será questionado se "têm regulamentos para a igualdade de género e para precaver contra fraudes académicas". No caso do assédio sexual, será avaliado se há "mecanismos e estruturas para precaver os desvios que não podem, nem devem acontecer".
A mais recente polémica sobre alegados casos de assédio sexual e moral nas universidades portuguesas estourou na terça-feira. Um livro sobre má conduta sexual na academia, publicado a 31 de março na prestigiada editora académica "Routledge", dá conta, no último capítulo, de condutas sexuais inapropriadas numa instituição. Apesar de não ser nomeada, pode ser identificada como o CES, a instituição em comum no percurso das três autoras. Anteontem, o centro anunciou que irá constituir uma comissão independente para investigar. Os visados, que não foram identificados no livro, são Boaventura Sousa Santos, diretor emérito do CES, e o investigador Bruno Sena Martins. Ambos negam ter tido comportamentos inapropriados. Sousa Santos considera que a acusação é "vergonhosa e vil".
Fonte da Universidade de Coimbra disse que "não foi registado qualquer caso provado de assédio moral ou sexual sob alçada disciplinar" da instituição e aponta que o CES é uma "associação privada sem fins lucrativos, estatutária e juridicamente independente".
Alunos não conhecem canais
O presidente do Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas (CRUP) disse, em comunicado, que a prioridade é o apoio às vítimas e que "as universidades devem investigar até ao fim". Fonte do CRUP explica que as instituições seguem a Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, o que obriga à instauração de um processo de inquérito interno quando há uma denúncia. Caso se comprove, segue-se um processo disciplinar e poderá ser comunicado às autoridades.
A polémica no CES não é única. Em dezembro de 2021, centenas de estudantes manifestaram-se contra o assédio sexual na Universidade do Minho. Em abril de 2022, soube-se que o conselho pedagógico da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa recebeu 50 queixas de assédio e discriminação, tendo sido posteriormente criado um gabinete de apoio à vítima. A ministra do Ensino Superior recomendou então às universidades a adoção de códigos de conduta e a criação de canais de denúncias. O Governo não respondeu, em tempo útil, sobre o balanço que faz deste apelo.
O JN contactou seis universidades e apenas duas responderam. Coimbra tem, "desde junho de 2022, a plataforma denuncia.uc.pt": houve duas queixas de assédio moral, uma foi arquivada e a outra está em fase de instrução. A U.Porto recebeu "19 queixas e/ou reclamações validadas", sendo que cinco são sobre assédio moral e/ou sexual e motivaram processos de inquérito.
A presidente da Federação Académica de Lisboa diz que "existem canais de denúncia e muitos deles funcionam de forma anónima, mas os alunos não os conhecem". Catarina Ruivo defende uma ampla divulgação e sugere que sejam feitos relatórios de acompanhamento. A mesma opinião tem Daniel Cotrim, da Associação Portuguesa de Apoio à Vítima, que defende uma articulação com entidades externas, caso as vítimas não se sintam confortáveis para expor os casos nos canais internos das instituições.