Comandantes que participaram nas operações de combate aos incêndios rurais apontam falhas graves de comunicação.
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Este verão, houve grupos de reforço de bombeiros, que estiveram estacionados, junto a teatros de operações, durante "horas à espera" de indicações dos comandantes de setor para reforçarem o combate aos incêndios, apesar do avanço das chamas. A denúncia foi feita por José António Rodrigues, comandante dos Bombeiros Voluntários de Peniche, na conferência "Análise aos Incêndios Florestais 2022", promovida, na terça-feira, pela Liga dos Bombeiros Portugueses, em Ourém.
"Vi grupos horas sem missão atribuída, com tempo para pôr redes [camas de redes] entre o carro e uma árvore, e a ver tudo a arder à volta", assegurou José António Rodrigues. "A culpa não é deles, mas isto não pode acontecer." A este propósito, lamentou também a "pouca entreajuda entre bombeiros", ao alegarem não ter ordens para sair dali, apesar dos elementos de outras corporações estarem "esgotados", como sucedeu nos incêndios da serra da Estrela, onde foram consumidos mais de 26 mil hectares. "Se não houver iniciativa, tenho de ir lá", incitou.
O comandante dos Voluntários de Peniche alertou, ainda, para o facto de se ter "perdido o comando e o controlo" de alguns incêndios florestais, devido à existência de muitas entidades nos teatros de operações, apesar dos bombeiros continuarem a ser os mais sobrecarregados, pois as outras equipas abandonam o combate às 17 horas. "Há pouca interação entre as diversas forças empenhadas no teatro de operações. Raramente se viu linhas de mangueira com fardamentos de várias cores. Temos de correr todos para o mesmo objetivo."
Desconhecem o terreno
Em representação do comandante da Força Especial de Proteção Civil, Guilherme Isidro, comandante dos Bombeiros Voluntários de Ourém, identificou, também, os riscos decorrentes de falhas de comunicação através de rádios portáteis de banda aeronáutica e com alguns pilotos de aeronaves espanhóis que não falam português, o que pode induzir a conclusões erradas. Deixou, por isso, a sugestão de aumentar a potência dos equipamentos portáteis, para facilitar a comunicação com os helicópteros e com os centros de operações de socorro.
Victor Machado, comandante dos Bombeiros de Vale de Cambra, acrescentou à lista de fragilidades no combate às chamas ao longo deste ano problemas de comunicações ao nível do comando e com o SIRESP (Sistema Integrado de Redes de Emergência e Segurança de Portugal). Também advertiu para a "falta de gestão, de acessibilidades e de zonas-tampão (aceiros) nos parques naturais" e a ausência de empenho no período noturno, dificultada por reduzida capacidade de reconhecimento do terreno.
O desconhecimento da área do teatro de operações da parte dos elementos de comando mereceu, igualmente, críticas de Victor Machado. O comandante defende que a mobilização das máquinas de rastos não devia estar dependente do Instituto de Conservação da Natureza e Florestas, "levando a uma perda da janela de oportunidades". Condenou, ainda, o "uso de fogo indevido ou excessivo" (pinga-chamas) e a incapacidade de alguns comandantes motivarem os seus operacionais, o que diz refletir-se na falta de empenho.
ALERTA
Pilotos espanhóis dificultam comunicação
António Nunes, presidente da Liga dos Bombeiros Portugueses, confirmou ao JN que as aeronaves envolvidas no combate aos incêndios nem sempre têm alguém que fale corretamente português, aludindo à contratação de pilotos espanhóis. "A utilização de uma língua estrangeira num meio como este é muito complicada. Devia haver mais cuidado, até porque o léxico muitas vezes usado não é fixo, o que cria muito mais dificuldades", alertou. "Nem sempre haverá fiscalização nem auditorias às empresas contratadas para o exercício dessas missões e, nalguns casos, o entender o português não é suficiente", justificou. Sobretudo tendo em conta que o piloto, quem está no comando e quem está no combate estão em situação de stresse. Face às restantes críticas, Nunes defendeu que a única forma de adequar o sistema às necessidades passa por criar um comando nacional de bombeiros.