Uma nova análise do Centro de Estudos e Intervenção em Proteção Civil (CEIPC), divulgada esta quinta-feira, aponta haver operacionais e membros da academia com "grande desconhecimento técnico e científico" sobre os incêndios de sexta geração. O presidente da Liga dos Bombeiros Portugueses defende que não são os operacionais a escolher os meios e os materiais para combater os fogos.
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O estudo, da responsabilidade da associação presidida pelo especialista Duarte Caldeira, aponta que a falta de informação e formação sobre as "características destrutivas" e as causas dos incêndios de sexta geração, violentos e intensos que chegam a transformar-se em tempestades de fogo, têm "consequências inevitáveis" no planeamento, nas decisões e nas próprias operações de combate.
Ao JN, o presidente da Liga dos Bombeiros Portugueses, António Nunes, defende que são "evidentes os novos desafios", no que toca à intensidade e à velocidade de propagação das chamas, porém acredita que deve ser antes feita uma "reflexão" sobre os métodos e materiais disponibilizados aos operacionais. "Não são os bombeiros que escolhem os meios aéreos", exemplifica.
O responsável reivindica a criação de um Comando Nacional de Bombeiros, que possa de uma forma mais célere e eficaz gerir a disponibilidade de meios humanos, terrestres e aéreos para uma determinada missão. "Têm de ser bombeiros comandados por bombeiros e não haver cinco ou seis entidades no teatro de operações a utilizar meios e materiais diferentes", realça.
Melhorar avaliação de bombeiros
Relativamente à natureza operacional, na análise que surge na sequência da vaga de incêndios rurais verificados este verão, o CEIPC acrescenta haver "insuficiente preparação física de muitos dos corpos de bombeiros", o que coloca em risco a eficiência das operações, "bem como a segurança, saúde e o bem-estar" dos operacionais, lê-se no comunicado enviado esta quinta-feira às redações.
"Há 30 mil bombeiros, logo haverá sempre operacionais em melhores ou piores condições", afirma António Nunes. O presidente da Liga dos Bombeiros Portugueses não descarta a possibilidade de se melhorar os parâmetros de avaliação dos operacionais que vão efetivamente para o terreno. Já face ao elevado número de acidentes rodoviários com veículos dos bombeiros, o estudo aponta que a realidade indicia "deficientes condições de segurança" dos carros ou falta de formação e treino dos condutores.
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Não há também, no entender do Centro de Estudos e Intervenção em Proteção Civil, áreas de descanso suficientes para os bombeiros, sobretudo quando estão no teatro das operações e os incêndios se prolongam no tempo. Como em 2017, quando circulou uma fotografia de dezenas de operacionais da zona Centro a descansar na relva, junto a uma praia fluvial.
Os meios aéreos, "com manifesto desperdício operacional da sua intervenção", denunciam a falta de preparação de alguns pilotos para determinadas missões ou falhas na comunicação feita a partir do teatro de operações. Os constrangimentos na transmissão da informação podem ainda justificar-se pela "existência de várias zonas do território do continente sem cobertura de redes públicas de comunicações eletrónicas".
Pouco poder dos autarcas
Conhecedores do território, os autarcas não têm um papel definido durante o combate aos grandes incêndios, defende o CEIPC. Para a associação privada sem fins lucrativos, para além de haver "lacunas no acionamento e operacionalização dos Planos Municipais de Emergência de Proteção Civil", os presidentes de câmara devem ter uma noção precisa da "capacidade de intervenção da autoridade municipal de proteção civil".
Para tal, é defendida "uma profunda e esclarecida reflexão do Sistema Nacional de Proteção Civil", que deve ser feita numa revisão da Lei de Bases da Proteção Civil em vigor, especialmente quando se trata de responder a "desafios extremos", como os grandes incêndios. Os especialistas afirmam haver também "desconhecimento de muitos autarcas" sobre os instrumentos legais a aplicar quando ocorrem os fogos.
Os presidentes de câmaras municipais têm também "limitados poderes" que os inibe de participar na decisão e nas opções estratégias a adotar no terreno, de acordo com a análise conhecida esta quinta-feira.
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Sobre as debilidades de natureza política, o estudo aponta para o "total fracasso das políticas de ordenamento territorial", que mostra que Portugal "perdeu o controlo sobre o seu território". Segundo o Centro de Estudos e Intervenção em Proteção Civil, falta "um nível intermédio de coordenação entre o patamar nacional e o municipal do sistema de proteção civil".
Mais de 110 mil hectares arderam
Os especialistas não conseguiram aceder a informação oficial sobre cinco dos fogos ocorridos no verão deste ano, "por decisão da Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil". "Desconhece-se o número de Unidades Locais de Proteção Civil existentes nas freguesias do país, bem como qual o nível de envolvimento das mesmas", lê-se no estudo.
Segundo o Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), os incêndios rurais consumiram este ano 110 007 hectares, o valor mais elevado desde 2017, tendo sido o fogo da Serra da Estrela o que registou maior área ardida, com quase 25 mil hectares.
Em comparação com 2021, a área ardida mais do que triplicou, tendo as chamas consumido este ano mais 82 796 hectares, e os incêndios aumentaram 40%, para um total de 10 449 (mais 2997).
De acordo com o ICNF, o ano de 2022 apresenta "o quarto valor mais reduzido em número de incêndios e o quinto valor mais elevado de área ardida, desde 2012".