Estabelecimentos dos anos 1940 a 1960 voltam a servir populações com projetos associativos, culturais e de serviços, ajudando a dinamizar os lugares.
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As autarquias já reaproveitaram mais de 1300 antigas escolas primárias do Plano dos Centenários, colocando-as novamente à disposição das populações sob a forma de sedes de associações, de juntas, instalações da GNR e PSP, centros de dia, museus, alojamentos e até restaurantes. Erguidas sobretudo nas décadas de 1940 a 1960, foram entregues pelo Governo às autarquias no final do século passado, mas a maioria deixou de ser necessária para o ensino, devido à falta de alunos ou à construção de novos equipamentos.
As 111 câmaras do continente que responderam ao JN com dados identificaram 2379 estabelecimentos de ensino desta época nos seus territórios. Desses, apenas 663 estão ainda vocacionados para o ensino e 1331 foram reaproveitados, seja diretamente pelas autarquias para espaços municipais, seja através da cedência a associações e instituições.
Na aldeia do Alqueva, Portel, por exemplo, a antiga escola foi transformada em hostel, para "os turistas que querem passar férias junto à barragem", ajudando a "dinamizar a localidade", disse Rute Farinha, da ADA - Associação de Desenvolvimento, Ação Social e Defesa do Ambiente, que gere o espaço. O alojamento tem 37 camas e emprega duas pessoas.
Na freguesia de Barroças e Taias, em Monção, a velha sala de aulas é agora o café que serve de "ponto de encontro" da população, contou o presidente da Junta, Almerindo Marinho.
Em Águeda, onde o restaurante "A Escola" já deu provas de ter sido importante para evitar a desertificação da aldeia de Macieira de Alcôba (ler reportagem), a ideia é continuar a reaproveitar os equipamentos. Na escola de Belazaima do Chão, também em Águeda, "em breve" abrirá uma unidade de formação para bombeiros", apontou o edil Jorge Almeida
Evitam demolir e vender
A maioria das câmaras tem evitado demolir ou alienar este património. Os 111 municípios que responderam revelaram que "apenas" 25 escolas foram demolidas (algumas para construção de novos centros escolares) e 118 foram vendidas, dando, em muitos casos, origem a estabelecimentos comerciais e até a habitações próprias. As restantes estão sem uso ou devolutas, mas várias autarquias realçam que têm projetos para as reaproveitar.
Ribau Esteves, vice-presidente da Associação Nacional de Municípios Portugueses, disse que, apesar de não haver um estudo sobre a reutilização das escolas, a noção geral é que a "esmagadora maioria estão a ser recuperadas".
"A escola" ensina aldeia de Águeda a crescer com "água na boca"
O quadro negro ainda se mantém no centro da antiga sala de aulas da escola de Macieira de Alcôba, na zona serrana de Águeda. Mas agora, em vez de lições de Matemática ou Português, exibe a ementa do restaurante que Zulmira Marques e o marido, António Novo, batizaram muito convenientemente de "A Escola".
As portas do restaurante abriram em dezembro de 2007, depois de negociações com a Câmara, que lhes atribuiu a exploração do espaço e ajudou a suportar as obras de recuperação, já que estava "muito degradada e não tinha cozinha", lembra Zulmira, uma ex-contabilista de 58 anos.
Na altura, ela e o marido estavam desempregados e, apesar de nunca terem trabalhado em restauração, assumiram o desafio. Desde então, têm vindo a atrair portugueses e estrangeiros com "boa comida caseira", conseguindo sobreviver a "crises, Troika e pandemia" e contribuindo para a dinamização da pequena aldeia.
Com vista para o recreio
"É importante preservar o património", considera Youcef Alem, francês que se senta com a família numa mesa no pátio traseiro, com vista para o antigo recreio. E, com este projeto, "também aproveitam e divulgam a gastronomia", acrescenta.
No interior, numa velha sala de aula, António Silva e Maria Cardoso, de Oliveira de Azeméis, revelam que já conheciam o restaurante. "Voltamos porque gostamos da comida, que é muito boa, e do ambiente", explica António. A Maria, o restaurante lembra a escola onde estudou. "Ficou bonito. As escolas fechadas deviam ser abertas para servirem as pessoas", defende.
A instalação daquele estabelecimento "foi decisiva" para a ajudar a "evitar a desertificação da aldeia e atrair o turismo", diz o presidente da Câmara de Águeda, Jorge Almeida. Depois do restaurante, conta Zulmira, "mais pessoas começaram a reconstruir as casas e a aldeia está mais cuidada".
Numa outra escola e na antiga casa da professora de Macieira de Alcôba foram, mais tarde, instalados a junta de freguesia, um centro interpretativo do milho antigo e um alojamento local, acrescenta o autarca aguedense.