Na terceira eleição discutida em pandemia, as redes sociais assumem-se como uma ferramenta indispensável para os políticos difundirem ideias, mas a rua continua a ser importante.
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A corrida oficial às legislativas começa este domingo, mas a campanha eleitoral fervilha no digital há várias semanas, com os debates televisivos a servirem de gatilho para a explosão de interações nas redes sociais.
Numa eleição ainda ensombrada pela pandemia, os candidatos apostam as fichas no virtual e fazem uso daquela que é, na opinião de Francisco Conrado Filho, a vantagem mais óbvia das redes sociais: "A possibilidade de um discurso não intermediado", reiterado vezes sem conta. "A melhor forma de repetir uma ideia até à exaustão é através das redes sociais, porque é o único canal que os candidatos têm para martelar a mesma ideia constantemente", explica o investigador do Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade (CECS) da Universidade do Minho.
Se numa fase pré-debates as redes funcionam em bolha, com os políticos a falarem para uma audiência que já os segue e concorda com as suas ideias, os confrontos televisivos adicionam novos jogadores ao tabuleiro, que comentam em simultâneo o que é dito nos duelos. O Twitter continua a ser a plataforma mais usada para fazer o "rescaldo", mas não é fácil eleger vencedores e vencidos num terreno virtual com tantas variáveis.
"O Twitter pode ser enganador e útil. Pode ser enganador se as estruturas dos partidos confundirem o Twitter com o país real, mas pode ser útil porque é um espaço onde existe um digladiar de posições entre diferentes atores, alguns deles organizados para lançarem temas a discussão", aponta Gustavo Cardoso, investigador do Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE).
Se, por um lado, cada rede social tem uma demografia específica que serve diferentes audiências, por outro, o eco dado a alguns assuntos no online pode não traduzir a real importância desses temas. "Nas redes temos uma minoria que faz muito barulho em torno de um assunto para lhe dar relevo. Há candidatos que aprenderam que é mais importante ser comentado do que não o ser", justifica Francisco Conrado Filho, que está a analisar as legislativas nas redes e concluiu que André Ventura tem sido o mais comentado.
Além disso, o investigador do CECS constata que a maioria dos comentários online são negativos seja qual for o candidato, o que pode ser explicado pela linguagem de excelência do online: a ironia, a troça e a ridicularização.
Num campo de batalha onde a variável do descontrolo é omnipresente, avaliar o impacto da Internet na ida às urnas é uma incógnita. "Mesmo em pandemia, não podemos achar que a televisão, a rádio, os jornais e as redes chegam. É preciso que exista também contacto de rua", acredita Gustavo Cardoso.
As redes sociais são mais uma ferramenta, mas não a única para convencer o eleitorado, sobretudo os mais indecisos. O trabalho no terreno é fundamental para criar proximidade, acredita Francisco Conrado Filho. "É importante equilibrar as audiências. A audiência que está nas redes sociais não é a que está nas ruas. Não pode haver um trabalho exclusivo para um dos lados".
À LUPA
Debate mais reativo
O confronto televisivo entre Rui Tavares (Livre) e André Ventura (Chega) que decorreu a 5 de janeiro fez disparar as interações.
Esquerda mais atenta
As hashtags #botacima, #zerovezes, #catarinabem e #costabem associadas ao Livre, Bloco de Esquerda e PS foram algumas das mais digitadas no Twitter.
Ironia é a linguagem universal das redes
Dos gestos a frases tudo se torna motivo para explorar online.
Num campo tão democrático como a Internet, onde as candidaturas partilham terreno com o eleitorado, a imprevisibilidade é uma constante que pode não agradar aos políticos. Desde expressões faciais, gestos ou frases proferidas em entrevistas ou debates, tudo se torna motivo para ser explorado online, através das duas componentes identitárias das redes sociais: a ironia e a criatividade.
A ridicularização dos candidatos surge em forma de "memes", imagens humorísticas que se tornam virais, e um dos exemplos amplamente divulgados na pré-campanha foi uma montagem de Catarina Martins vestida de freira ou pastorinha, após ter citado o Papa Francisco no duelo televisivo com André Ventura.
Ter efeito contrário
Apesar de a imagem ter surgido para fazer troça da coordenadora do Bloco de Esquerda, o efeito pode ser inverso devido ao caráter inesperado das redes sociais. "A partir do momento em que é repetidamente lembrado que a líder bloquista tem afinidade de pensamento com o Papa, isso abre portas para um universo que tradicionalmente não é o seu, o que pode reverter em simpatia e alguns votos", considera Gustavo Cardoso.
O investigador do ISCTE explica que a anedota, a maledicência e o riso sempre fizeram parte da dimensão política em Portugal, até mesmo fora dos períodos eleitorais, mas a Internet veio possibilitar a divulgação mais abrangente desses conteúdos. "O que não tínhamos até ao surgimento das redes sociais era um registo, um arquivo público, de todo este tipo de histórias que circulam".