Cascais estreou há ano e meio o primeiro veículo autónomo do país e Viseu só não lançou ainda o Viriato porque esbarrou na legislação. Em Portugal e em todo o Mundo, viaturas que dispensam condutor estão a trazer o futuro para o presente.
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Quem passa em Cascais, já não estranha ver um veículo a andar sem ter alguém ao volante. O primeiro autocarro autónomo em Portugal começou a operar ali há ano e meio, ligando a Nova School of Business & Economics de Carcavelos (Nova SBE) à rotunda da Quinta de São Gonçalo. O futuro chegou e não há como fazer marcha atrás.
Este veículo, explica a empresa municipal Cascais Próxima, "combina GPS/DGPS, LIDAR, acelerómetros e odómetro para aferir a sua posição com um erro inferior a 0,5 centímetros. Através da plataforma de gestão e monitorização remota, o veículo recebe "missões" que são compostas por itinerários, pontos de paragem e tipo de serviço". Se detetar um obstáculo, ajusta a velocidade ou para.
Mas o projeto, que pretende triplicar o troço de circulação até à estação de Carcavelos, ainda não dispensa completamente a supervisão humana pois, "apesar do seu elevado nível de autonomia, é obrigatória a presença de um operador certificado a bordo sempre que o veículo esteja em movimento", acrescenta a empresa. Tem seguro, mas ainda há lacunas na lei.
Lacunas na classificação de veículos condiciona
"Além das dificuldades com os seguros, que são ultrapassáveis pois não existe uma limitação formal quanto aos tipos de veículos passíveis de serem segurados, há uma série de lacunas quanto à classificação das viaturas para licenciamento pelo IMT para serviço público de transporte de passageiros", explica a Cascais Próxima. Atualmente, "devido a esta lacuna, o veículo autónomo do Município de Cascais presta um serviço experimental que não pode integrar a rede ou os sistemas de bilhética da rede municipal de transporte público". Por isso, as viagens são gratuitas.
Em Viseu, a entrada em funcionamento do Viriato, um veículo elétrico não tripulado que pretendia substituir o funicular entre a Casa de Viriato e o centro histórico, foi adiada. "O processo de contratação está também dependente da aprovação de legislação nacional que permita a circulação destes veículos", refere a Câmara, sem adiantar nova data.
Cá dentro, como lá por fora, são diversos os casos de viaturas que dispensam condutor e começam a integrar os sistemas de mobilidade (ver exemplos ao lado). E, com eles, haverá mudanças profundas nas cidades.
Lá para 2030, 2035, entre 15 a 30% dos veículos a circular serão autónomos. A percentagem irá crescer até 2050, altura em que talvez já sejam todos autónomos
Conceição Magalhães, que investiga, no Instituto Superior Técnico (IST) da Universidade de Lisboa, diferentes cenários de integração de veículos autónomos nas autoestradas, acredita que lá para "2030, 2035", entre "15 a 30%" dos veículos a circular serão autónomos. A percentagem "irá crescer até 2050, altura em que talvez já sejam todos autónomos", pelo menos na Europa, Estados Unidos, ou Austrália.
Existem diferentes níveis de autonomia e cada região adaptará a nova realidade às suas circunstâncias. As smart cities, que já possuem infraestruturas, deverão ser as primeiras a implementar estas tecnologias inovadoras.
As vantagens da introdução desta tecnologia serão muitas, aponta Conceição Magalhães. Menos acidentes rodoviários, pois a maioria são causados por erro humano. Mais fluidez de tráfego, devido a uma condução mais suave. Maior facilidade de mobilidade para grupos com limitações, como idosos, jovens e portadores de deficiência. Melhor uso do solo, porque não serão necessários tantos parques de estacionamento. Melhor aproveitamento do tempo, uma vez que enquanto o carro faz o trajeto, será possível realizar outras tarefas.
Ajuda ao planeamento urbano
Também há riscos, que é preciso tratar com cuidado para não se perderem oportunidades. De acordo com Conceição Magalhães, "os veículos autónomos vão ser fontes de dados do próprio veículo, do padrão da viagem, do ambiente em redor e até, se forem conectados, de dados de outros veículos e zonas". A situação "mexe com a privacidade dos dados e possibilidade de ataques informáticos", pelo que é necessário trabalhar de "forma rigorosa" para que não haja partilha indevida de informações.
A recolha de informações, porém, traz vantagens que não se devem desperdiçar. Pode ser uma oportunidade de "coordenar ações e fazer parcerias, para os dados serem trabalhados e usados para efeitos de planeamento urbano", exemplifica.
Os veículos autónomos deverão também melhorar a qualidade do ar das cidades, de acordo com um estudo da Universidade de Aveiro. A investigadora Sandra Rafael utilizou modelos de computação para o estudo, recentemente publicado na revista "Science of The Total Environment". Uma taxa de integração de veículos autónomos elétricos de 30% levará a "uma redução total de 4% das emissões de óxidos de nitrogénio, os gases nocivos à saúde produzidos por veículos com motor de combustão. Destes gases, só em dióxido de azoto, um dos mais perigosos para o ambiente, o estudo revela uma redução de 2%", refere a UA, sublinhando que "estas reduções serão tanto maiores quanto maior for a taxa de integração dos veículos autónomos das estradas das cidades, chegando a reduções máximas de 7,6%". O tráfego rodoviário é o principal responsável pelas emissões (cerca de 35%) de óxidos de azoto.
Para se tirar o melhor partido das novas tecnologias, os comportamentos terão de mudar. Ana Martins, do IST, que estuda sistemas de partilha de carros autónomos diz que estes também podem ir "trabalhar" depois de deixar os proprietários no emprego. Ou seja, em vez de ficarem parados a ocupar espaço em estacionamentos ou fazerem viagens extra para regressarem a casa, os veículos autónomos poderiam continuar a circular e a "transportar outros passageiros", reduzindo o número de veículos necessários para as deslocações dentro das cidades, diz