Desde as cheias, proliferam nos anúncios online e estima-se que haja centenas no mercado.
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Os anúncios com veículos usados estragados pelas cheias são cada vez mais. Têm surgido às dezenas nas últimas semanas, em plataformas de comércio eletrónico, com preços de saldo que convidam os compradores a dar um tiro no escuro e a investir em automóveis sem condições para circular. Após tentativas falhadas de reparação ou de venda junto das oficinas, e perante a falta generalizada de cobertura dos seguros para estes fenómenos, os anúncios online poderão chegar às centenas.
O Automóvel Club de Portugal (ACP) alerta para "negócios que, à primeira vista, parecem um achado pelos preços apresentados, mas que podem tornar-se um pesadelo, já que a maioria não está em condições de circular". Ao JN, Bruno Gomes, diretor de serviços técnicos do ACP, disse ter identificado "dezenas de anúncios", como no OLX, onde os carros inundados pelas cheias são apresentados como tal e surgem nas fotos cheios de lama. Mesmo assim, "é vender gato por lebre", garante, por "induzir em erro o consumidor".
Para comprar peças
Bruno Gomes avisa que "os carros estão irremediavelmente danificados" e, mesmo que funcionem no momento da compra, os problemas vão surgir mais cedo ou mais tarde. Podem, no entanto, servir para peças.
Porque as cheias começaram no mês passado, admite que os anúncios possam chegar rapidamente às centenas quando os proprietários esgotarem outras alternativas. O ACP nota que um veículo muito danificado pela água exige uma intervenção elétrica e mecânica bastante cara que, na maior parte dos casos, "não justifica a reparação".
Bruno Gomes não acredita que os stands tenham interesse neste negócio, pelos riscos que acarreta.
Questionada pelo JN sobre este assunto, a Associação Portuguesa de Seguradores (APS) referiu que, "infelizmente, a maior parte dos veículos não tem cobertura de fenómenos da natureza e, por isso, nem sequer participam sinistros" deste tipo. José Galamba de Oliveira, presidente da APS, tem alertado precisamente para a necessidade de haver mais seguros com cobertura para fenómenos naturais.
Outro problema prende-se com o facto de o potencial comprador não ter acesso ao histórico. Em Portugal, a lista de salvados técnicos (veículos acidentados cuja reparação supera 70% do valor atribuído pela seguradora) não é pública.
Falta divulgar salvados
Nuno Silva, presidente da Associação Portuguesa do Comércio Automóvel (APDCA), considera "imprescindível" que a lista de salvados "seja tornada pública e de fácil consulta".
"Respeitando sempre o Regulamento Geral de Proteção de Dados, apenas seria divulgada a lista das viaturas" que são salvados técnicos, "com a respetiva matrícula e nunca os dados relativos aos proprietários", destacou ao JN.
Nuno Silva diz que esta solução evitaria situações em que um carro dado como salvado técnico fosse recuperado, posto a circular e vendido. E "o conhecimento prévio da sua situação por parte dos comerciantes e consumidores evitava cenários atentatórios do bom nome das empresas e dos interesses do consumidor".
Medidas
Programa Usado Certificado
O programa Usado Certificado foi criado pela Associação Portuguesa do Comércio Automóvel. O selo "Certificada APDCA" garante que está "em perfeitas condições de utilização, tendo sido alvo de uma extensa e rigorosa avaliação por parte de entidades independentes e devidamente certificadas", assegura a associação. Estas entidades atestam o cumprimento dos critérios exigidos, em mais de 250 pontos analisados.
"Viaturas que tenham sido declaradas como perda total ou que tenham sido alvo de viciação de quilómetros não serão elegíveis para certificação", explica Nuno Silva. Lembra que, se o automóvel for comprado a um comerciante legalmente estabelecido, os riscos são menores e há garantias que ajudam a cobrir problemas que possam surgir. O risco dispara se comprar a um particular ou às empresas que trabalham à margem da lei sob a capa de particular, evitando os custos das garantias e dos impostos.
Deco
Ainda sem queixas
A Deco disse ao JN não ter ainda registos de queixas de consumidores sobre anúncios de venda de automóveis usados com danos provocados pelas recentes inundações.
Possível burla
Diogo Martins, jurista da Deco, nota, por um lado, que nas plataformas usadas pelos particulares "não há garantia legal para quem compra". No entanto, "poderá estar em causa a prática criminal de burla", se forem ocultados os danos do veículo.
Garantia no stand
Se o carro for comprado num stand, lembra que a garantia passou, em 2022, para três anos, a não ser que, por mútuo acordo, esse prazo seja reduzido para metade.