Antigo ditador criou instituições em 1933, para apoiar trabalhadores agrícolas. Mais de mil foram extintas após 25 de Abril, restando apenas 89 a prestar trabalho social.
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Das 1163 casas do povo existentes em Portugal em 1974, apenas 105 continuam em funcionamento e, dessas, só 89 realizam trabalho social e são membros da Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade (CNIS).
Os números constam da Carta Social elaborada pelo Gabinete de Estratégia e Planeamento do Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social e da Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade (CNIS) e traçam, hoje, Dia Nacional das Casas do Povo, o retrato de um dos mais antigos organismos sociais portugueses.
Criadas por António Oliveira Salazar, em 1933, com o objetivo de apoiar os trabalhadores agrícolas, as Casas do Povo foram ganhando importância à medida que criavam valências relacionadas com a "previdência, a assistência e a instrução".
Apoios sociais
"Tinham por missão representar os trabalhadores associados e garantir apoios sociais, entre outros", disse ao JN Natália Pereira, licenciada em História e a finalizar o doutoramento na Universidade do Minho em Organismos Corporativos da Lavoura. "Após o 25 de Abril de 1974, com a constituição de um sistema único de segurança social, esvaziaram-se as competências das casas do povo e muitas acabaram por fechar portas", afirma Henrique Rodrigues, da Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade.
Com o encerramento, também os funcionários foram integrados na Função Pública. As instituições que mantiveram as postas abertas foram, sobretudo, as que, a partir de 1982, passaram a ter o estatuto jurídico de pessoas coletivas de utilidade pública de base associativa.
"As que prestavam serviços de saúde e as que criaram ou aumentaram valências sociais de apoio a crianças e idosos foram as que conseguiram manter as portas abertas", frisa Henrique Rodrigues.
Atualmente, as atividades das 105 casas do povo consistem, principalmente, no apoio a idosos e a crianças, na ocupação dos tempos livres e promoção do convívio entre a população, com a organização de equipas e torneios desportivos para crianças e jovens e a realização de feiras e de atividades culturais, musicais e lúdicas. "Na história da instituição, o maior destaque vai para a instrução e o ensino direcionado para as práticas agrícolas que foi pioneiro em Portugal", destaca a historiadora Natália Pereira.
Reinvenção
Apesar de serem instituições de Direito Privado, as casas do povo são equiparadas às instituições particulares de solidariedade social, aplicando-se-lhes o mesmo estatuto de direitos, deveres e benefícios, designadamente fiscais.
"Eram organismos que faziam parte do mundo rural que tiveram de se reinventar para prestar novos serviços à população", finalizou Henrique Rodrigues.
"Somos dos maiores empregadores daqui"
Casa do Povo de Ribeira do Neiva sobreviveu ao 25 de Abril por causa dos serviços de saúde prestados
"Ó Julinha, tem uns sapatos novos". A observação é de Manuela Soares e enche de alegria a utente do lar da Casa do Povo de Ribeira do Neiva, que rapidamente levanta os pés e sorri com vaidade. Manuela, ou Nelinha, como a tratam carinhosamente, é a presidente e diretora técnica da instituição de Vila Verde, que nasceu durante o Estado Novo para apoiar trabalhadores agrícolas, mas agora é muito mais do que isso. Quase a fazer 78 anos, é casa para a terceira idade, espaço de lazer e estudo para crianças, promotora de cultura, voluntariado e uma das maiores empregadoras locais.
Manuela Soares está convencida de que, após o 25 de Abril de 1974, a existência de serviços de saúde no edifício foi crucial para que a Casa do Povo de Ribeira do Neiva não definhasse. "Fizemos um acordo com o Ministério da Saúde para manter o posto médico e ainda permaneceu cá muito tempo", recorda. Paulo Guimarães, tesoureiro e técnico superior na instituição, acrescenta que, ainda hoje, mesmo a funcionar numa nova unidade de saúde, "as pessoas dizem que vão à Casa do Povo referindo-se ao posto médico".
A década de 80
Entre recordações, Manuela Soares lembra os anos 80 como a década das "transformações". Concretamente 1989, quando chega à Casa do Povo, a responsável inicia um ciclo de novas respostas sociais para a população das sete freguesias que viriam a formar a União de Freguesias de Ribeira do Neiva. Primeiro, um Centro de Atividades de Tempos Livres (ATL) para as crianças. Mais tarde, uma estrutura residencial para idosos, serviço de apoio ao domicílio e acompanhamento de beneficiários do rendimento social de inserção.
"Foi em 1989, com o ATL, que passou a ser equiparada a instituição particular de solidariedade social", elucida a diretora, sublinhando que a equipa tem procurado envolver a comunidade e os utentes em concertos, mercados, peças de teatro, entre outras atividades. "Já chegámos a ter uma orquestra", regozija-se Manuela Soares, apontando a importância da estrutura para fixação de população num meio rural. "Somos dos maiores empregadores da freguesia, com 60 colaboradores", contabiliza a dirigente, não escondendo a ambição de aumentar a oferta com uma creche.
Saiba mais
Estado Novo
As casas do povo foram criadas no regime do Estado Novo pelo Decreto-Lei n.o 23 051, de 23 de setembro de 1933, como peça-chave da organização corporativa do trabalho rural.
Previdência Social
Funcionavam como organismos de cooperação social, dotados de personalidade jurídica, assumindo a previdência social de todos os residentes na sua área de atuação.
Maioria no Norte
Das casas do povo que ainda se mantêm em funções, a maioria está localizada no Norte.