Quase dois meses depois de ter vindo a público o caso da alegada interferência do presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, no tratamento de duas gémeas luso-brasileiras com atrofia muscular espinhal, o JN recorda todos os momentos-chave da polémica.
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3 novembro
Marcelo diz que não se lembra do caso
Uma reportagem da TVI denunciou que Marcelo Rebelo de Sousa terá interferido no Hospital de Santa Maria, num caso ocorrido em 2019, altura em que duas bebés brasileiras entraram naquela unidade hospitalar de Lisboa para receber um tratamento que custou quatro milhões de euros. A mãe, Daniela Martins, que é lusodescendente, admitiu que “usou” os contactos da “nora do presidente”, que também vive no Brasil, e conhecia “a ministro da saúde” – na altura Marta Temido –, garantindo que terá sido enviado por Belém um email para o hospital, indiciando que os médicos terão recebido “ordens superiores” para avançar com o tratamento, que foi feito em 2020.
“Francamente, não me lembro”, vincou o presidente, garantindo não ter tido influência no tratamento das bebés em Portugal.
4 novembro
Marcelo nega interferência
Marcelo voltou a negar ter interferido no tratamento das gémeas. "Eu ontem disse que não tinha feito isso, se tivesse feito tinha dito. Não falei", garantiu. "Vendo a reportagem, ninguém aparece a dizer que eu falei com essa pessoa. Ninguém. Só há um presidente. A família do presidente não foi eleita. Se aparecer alguém, eu aí não tenho outro remédio se não eventualmente ir a tribunal comparar a minha verdade com a verdade dessa pessoa".
Hospital recebe carta de neuropediatras
No mesmo dia, o conselho de administração do Hospital Santa Maria confirmou que recebeu uma carta dos neuropediatras do hospital. "O caso seguirá a sua tramitação interna", confirmou o hospital.
6 novembro
IGAS abre processo de inspeção
A Inspeção-Geral das Atividades em Saúde (IGAS) anunciou que abriu um processo de inspeção ao caso das gémeas. "Informamos que a IGAS abriu um processo de inspeção sobre o processo de prestação de cuidados de saúde às duas crianças para verificar se foram cumpridas todas as normas aplicáveis a este caso concreto", adiantou a IGAS.
Hospital abre auditoria interna
O Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Norte abriu uma auditoria interna ao caso das gémeas. “O Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Norte decidiu dar início a uma auditoria Interna para aferir sobre os procedimentos que foram realizados antes e durante o tratamento para a atrofia medular espinhal administrado a duas gémeas em 2020 e que foi alvo de reportagem na Comunicação Social”, informou.
22 novembro
Marta Temido disponível para prestar esclarecimentos
A antiga ministra da Saúde, Marta Temido, manifestou disponibilidade para prestar todos os esclarecimentos que lhe peça o parlamento, o Ministério Público ou entidades da saúde sobre o caso do tratamento das gémeas no Hospital Santa Maria. Uma fonte parlamentar do PS disse que "Marta Temido tem evidente disponibilidade para prestar todos os esclarecimentos que sejam necessários a qualquer entidade que entenda requerê-los sobre este caso".
24 novembro
Ministério Público investiga caso
O Ministério Público anunciou estar investigar o alegado favorecimento a duas gémeas luso-brasileiras que foram tratadas em Portugal com medicamentos no valor de quatro milhões de euros.
27 novembro
Estado pagou seis cadeiras para as gémeas
No final do mês, soube-se que o Estado português pagou quatro cadeiras de rodas elétricas e duas cadeiras/carrinhos manuais às gémeas luso-brasileiras que, alegadamente, terão recebido o Zolgensma, conhecido como o medicamento mais caro do mundo, após alegada intervenção de Marcelo Rebelo de Sousa. Os quatro equipamentos elétricos custaram mais de 50 mil euros e as duas cadeiras/carrinhos manuais cerca de 14 mil euros, totalizando um custo de 64 mil euros.
28 novembro
Marcelo saudou inquérito do Ministério Público
O presidente da República saudou a abertura pelo Ministério Público do inquérito sobre o caso das gémeas. "Neste momento foi aberto, e bem, um inquérito contra desconhecidos, e acho bem", declarou Marcelo. "Eu, aliás, tinha falado nisso na minha intervenção do dia 4 de novembro, que era importante o esclarecimento dessa matéria, ou por iniciativa daqueles que trabalhavam na instituição em causa, ou por auditoria interna ou por qualquer forma de investigação. Está aberto um inquérito e eu estou satisfeito com isso".
30 novembro
Marta Temido diz que não deu orientações sobre o caso
A antiga ministra da Saúde disse que não deu orientação sobre as crianças luso-brasileiras que receberam em Portugal o medicamento para atrofia muscular espinal e que as meninas tinham de ser tratadas, mesmo não morando no país. "Não tive qualquer contacto com o presidente da República relativamente a este caso, nem dei qualquer orientação sobre o tratamento destas crianças", garantiu Marta Temido.
1 dezembro
Marcelo reitera que não falou com ninguém sobre o caso
O presidente da República reiterou que não falou com qualquer entidade para influenciar o tratamento das gémeas luso-brasileiras em Portugal: "Nem primeiro-ministro, nem ministra, nem secretário de Estado, nem à presidente do hospital, nem à administração do hospital, nem nenhuma responsabilidade de diretor de serviço do hospital".
Marcelo mostrou-se disponível para ir a tribunal "se vier a aparecer alguém" que diga o contrário. "Naturalmente que, como em tudo na vida, se vier a aparecer alguém que diga que eu o contactei ou que fiz qualquer pressão ou empenho ou pedido, aí eu sou o primeiro a ir a tribunal para esclarecer isso", salientou.
4 dezembro
Marcelo recebeu e-mail do filho, mas nega "favorecimento"
O presidente da República admitiu que recebeu um e-mail do filho, em outubro de 2019, a alertá-lo para o caso das gémeas. Marcelo anunciou que a sua Casa Civil enviou à Procuradoria-Geral da República toda a documentação a envolver Belém. "Tudo se passou em dez dias", afirmou Marcelo, referindo-se ao período entre 21 e 31 de outubro de 2019. Depois disso, Marcelo garantiu que não houve "mais qualquer intervenção" da parte da Presidência da República.
"Apurou-se que, no dia 21 [de outubro de 2019], o dr. Nuno Rebelo de Sousa, meu filho, me enviou um e-mail em que dizia que um grupo de amigos da família das duas crianças gémeas se tinha reunido e estava a tentar que elas fossem tratadas em Portugal", revelou. O filho do presidente já tinha contactado o Hospital Dona Estefânia, que o informou que o Hospital de Santa Maria seria o "adequado" para o tratamento. Contudo, perante a falta de novidades deste segundo hospital, Nuno Rebelo de Sousa perguntou ao pai se era "possível saber se há resposta possível".
No mesmo dia, Marcelo questionou o seu chefe da Casa Civil: "Será que Maria João Ruela [então assessora para os Assuntos Sociais] pode perceber do que se trata?". Após ter contactado Santa Maria, Maria João Ruela respondeu a Nuno Rebelo de Sousa que o hospital tinha recebido o processo, mas que estavam a ser analisados "vários casos do mesmo tipo".
Nuno Rebelo de Sousa "voltou a perguntar" a Ruela sobre a situação. Depois de esta ter confirmado o que já tinha dito por escrito, o filho do chefe de Estado dirigiu-se ao chefe da Casa Civil. Este respondeu, por escrito, que "os casos que estejam a ser tratados nos hospitais portugueses" tinham "prioridade", o que explicava a falta de resposta, sendo que não era "previsivel" que esta chegasse "rapidamente".
A comunicação terminou a 31 de outubro e Marcelo negou saber o que aconteceu a seguir.
5 de dezembro
Ministério da Saúde "disponível para prestar toda a informação"
O secretário de Estado da Saúde, Ricardo Mestre, rejeitou fazer comentários sobre o caso das gémeas luso-brasileiras tratadas em Portugal, apontando que o Ministério está disponível para colaborar na investigação. “O Ministério da Saúde está, obviamente e como sempre esteve, disponível para prestar toda a informação que lhe seja solicitada pelas autoridades competentes”, disse.
6 dezembro
Coordenador da unidade de Neuropediatria fala em "condicionamento"
António Levy Gomes, coordenador da unidade de Neuropediatria do Hospital de Santa Maria e o médico que denunciou o caso, considerou que a conferência de imprensa do presidente da República pode ser interpretada como uma tentativa de condicionamento do depoimento dos médicos à Inspecção-Geral da Saúde. "Aquele dia foi a véspera em que fomos prestar declarações na auditoria. Acho extremamente inconveniente porque pode parecer um condicionamento das nossas respostas", disse.
8 dezembro
Marcelo reitera não conhecer diligências junto do Ministério da Saúde
A TVI noticiou que Nuno Rebelo de Sousa se reuniu com o então secretário de Estado da Saúde, António Lacerda Sales, no Ministério da Saúde, sobre o caso. Marcelo declarou não ter tido conhecimento de quaisquer diligências junto do Ministério da Saúde. "Na sequência das notícias hoje surgidas, o Presidente da República reafirma que não teve conhecimento de quaisquer diligências junto do Ministério da Saúde no caso das gémeas luso-brasileiras, após o envio do dossier para o gabinete do primeiro-ministro a 31 de outubro de 2019", lê-se numa nota publicada no site oficial da Presid pode ser interpretada como uma tentativa de condicionamento do depoimento dos médicos à Inspecção-Geral da Saúde.ência da República.
Já o ministro da Saúde, Manuel Pizarro, recusou-se a pronunciar-se sobre o caso. "Não me parece que seja adequado, no momento em que ocorrem auditorias e inspeções, duas delas por parte de instituições do Ministério da Saúde, o Hospital de Santa Maria e a IGAS, não me parece que faça sentido eu estar a fazer comentários que possam ser interpretados como condicionando essa investigação, ou até perturbando essa investigação", argumentou.
12 dezembro
Ordem pede a conselho disciplinar que avalie ação dos médicos e de Lacerda Sales
A Ordem dos Médicos pediu ao Conselho Disciplinar da Região Sul que avalie o comportamento dos médicos envolvidos no caso das gémeas para perceber se há matéria disciplinar em que possa ter intervenção, disse o bastonário Carlos Cordes. "Ontem, perante toda a informação que nos tem chegado pedi ao Conselho Disciplinar para avaliar este caso e para avaliar, obviamente, os médicos", inclusive o ex-secretário de Estado da Saúde António Lacerda Sales.
No mesmo dia, Lacerda Sales considerou o inquérito aberto pela Ordem dos Médicos Portugal como uma "inqualificável intromissão na atividade de um órgão de soberania". O antigo governante garantiu que não marcou a consulta no SNS e que "nunca falou do assunto" com o presidente da República nem com o primeiro-ministro, ao mesmo tempo que disse não se recordar e aguardar documentação para se pronunciar sobre uma reunião que terá tido com Nuno Rebelo de Sousa.
13 dezembro
Auditoria revela que marcação da consulta foi o único incumprimento
O relatório da auditoria interna pedida pelo Conselho de Administração do Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte (CHULN) revelou que os controlos internos de admissão, tratamento e monitorização dos tratamentos a crianças com atrofia muscular espinhal entre 2019 e 2023 foram respeitados, à exceção da "referenciação de dois doentes para a primeira consulta de neuropediatria". O relatório revelou ainda que a consulta ocorreu a 5 de dezembro de 2019, altura em que estavam em funções António Sales e Jamila Madeira.
Por sua vez, Lacerda Sales reiterou que não marcou qualquer consulta no SNS para as gémeas. "Não marquei nenhuma consulta no SNS e, por isso, estou perfeitamente tranquilo relativamente a esta questão. Começaram por dizer que teria sido eu a marcar uma consulta, já perceberam que eu não marquei uma consulta, depois haveria um email e não apareceu nenhum email. Já pedi os documentos várias vezes e não aparece nenhum email. Agora aparece um telefonema, gostaria de ter documentos que confirmassem e comprovassem isso, porque senão continuamos no campo das suspeições e indefinições", afirmou.
Ex-diretor clínico admite ter havido "sinalização da tutela"
Luís Pinheiro, ex-diretor clínico do Santa Maria, admitiu ter havido uma "sinalização" por parte da secretaria de Estado da Saúde no caso das gémeas, mas negou que tenha recebido qualquer contacto por parte da Presidência da República, do filho do presidente, ou de Lacerda Sales. "Foi-me dito que essa sinalização teria origem externa eventualmente no âmbito da tutela", disse. Quando questionado sobre se essa sinalização tinha sido feita pela Secretaria de Estado da Saúde, o médico respondeu: "Sim, havia essa menção", dizendo que tal consta no processo das duas bebés.
Presidente do conselho de administração notificada pelo DIAP
A presidente do conselho de administração do CHULN foi notificada pelo Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP) para ser ouvida no inquérito ao caso das gémeas.
14 dezembro
Marcelo diz que respeitou "escrupulosamente a ética e o direito"
Marcelo considerou ter respeitado "escrupulosamente, quer a ética, quer o direito" no caso das gémeas tratadas no Hospital de Santa Maria e reiterou que "filho de presidente não é presidente".
15 dezembro
Mãe das gémeas admite "conversas" no hospital sobre influência de Marcelo
A mãe das gémeas referiu que a família estava a "tentar encontrar o caminho que tinha de ser feito"."Era falado nos corredores do Santa Maria que eu tive alguma ajuda", admitiu Daniela Martins, em entrevista à RTP. "Foram distribuidos vários emails. Não me surpreendeu a consulta porque foi resultado de todos esses pedidos. Eu tinha a impressão que eles pudessem ter feito alguma requisição", mas os pedidos foram feitos "de maneira indireta", realça.
20 dezembro
PS chumba audição do filho de Marcelo no caso das gémeas
O Partido Socialista chumbou a audição no Parlamento do filho do presidente da República, no âmbito do caso das gémeas luso-brasileiras. O requerimento para a audição de Nuno Rebelo de Sousa, apresentado pela Iniciativa Liberal, contou com o voto a favor de todas as bancadas, à exceção da do PS, que votou contra, e do PCP, que se absteve. Foram também rejeitadas as audições de Marta Temido, Lacerda Sales e dos pais das gémeas, este último pedido pelo Chega.
Pizarro volta a recusar comentar caso
O ministro da Saúde escusou-se a responder a diversas perguntas sobre o caso das gémeas, sublinhando não querer interferir nas investigações em curso. "Estão em curso averiguações, um processo inspetivo da IGAS e outro aberto pelo Ministério Público, o que obriga a que as minhas respostas tenham em conta a necessidade de não poder ser interpretado das minhas palavras nenhum condicionamento ao processo inspetivo", afirmou Manuel Pizarro, acrescentando não ter dúvidas de que o tratamento "foi decidido com fundamento clínico" e que foram aplicadas às duas gémeas as mesmas regras das restantes crianças que receberam o mesmo tratamento.
22 dezembro
Lacerda Sales admite reunião com Nuno Rebelo de Sousa
Lacerda Sales admite ter-se reunido com o filho do presidente da República, num encontro em que Nuno Rebelo de Sousa lhe falou do caso das gémeas, mas continua a negar ter marcado qualquer consulta.
"Disse-me que conhecia duas crianças luso-brasileiras com AME, com perto de 1 ano, e que seria importante fazerem um medicamento (Zolgensma) até cerca dos 2 anos. Não me deu conta de que haveria um processo paralelo do ponto de vista formal, que tinha havido contactos com a Estefânia, com a Casa Civil, que esse contacto tinha ido para o gabinete do primeiro-ministro e para o Ministério da Saúde", afirma. "Reitero aquilo que disse múltiplas vezes: não marquei nenhuma consulta, não fiz nenhum telefonema, nunca recebi nenhum processo formalmente constituído e, portanto, também nunca contactei formalmente o Hospital de Santa Maria. Recebi a informação da situação das duas gémeas com AME (doença fatal, raríssima) e que necessitariam de tratamento. Foi a única informação".