Margaritis Schinas, vice-presidente da Comissão Europeia, diz que o turismo pode esperar recuperar 50% das receitas pré-pandemia. União Europeia da Saúde tem cinco mil milhões de euros para avançar
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O vice presidente da Comissão Europeia, Margaritis Schinas, considera que o mecanismo europeu de vacinação é um sucesso. Diz que o certificado digital foi aprovado em tempo recorde e que este será a superarma, a par da vacinação, essencial para recuperar o verão. Detentor da pasta de Promoção do Modo de Vida Europeu, em entrevista ao JN, o responsável grego, de passagem por Portugal, alerta para o perigo dos governantes autoritários que querem que o projeto europeu falhe.
Dados recentes dizem que 55% da população europeia já tem um dose da vacina contra a covid-19 e 32% as duas doses. É um bom resultado?
Sim. Isto é uma grande história de sucesso europeu. Implementámos o maior programa de vacinação na história da humanidade. Nunca ninguém tinha comprado antes tantas doses de vacina para tantas pessoas, numa altura em que ninguém sabia se a ciência nos ia dar o resultado que esperávamos. Mas esta foi uma decisão estratégica, que se justificava. Deixo à vossa imaginação o que teria acontecido se em vez de uma abordagem europeia, os Estados-membros tivessem começado a disputar vacinas entre si. Apesar dos soluços do início do ano, a vacinação é agora um sucesso. É como um motor a diesel, que no início faz um barulho mas que depois começa a trabalhar e nada o consegue parar. Estamos confiantes que no verão vamos atingir o nosso objetivo de ter 70% da população vacinada.
O aparecimento de novas variantes graves, como a Delta, levou a comissária da Saúde, Stella Kyriakides, a apelar à vacinação com a segunda dose. Esta necessidade vai obrigar a negociar com as farmacêuticas uma entrega mais rápida?
É verdade que agora a nossa mensagem principal para todos é "vacinar, vacinar, vacinar". E o facto de o estarmos a fazer tão bem é outro incentivo para concluir o processo, principalmente junto dos europeus mais jovens. De acordo com as nossas informações, não vamos ter problemas de falta de fornecimento de doses. Podemos ter entregas reduzidas de uma companhia, mas a diversidade do nosso portefólio de vacinas vai compensar essa diminuição. E já contratualizamos a compra de uma nova geração de vacinas, para 2022 e 2023, de 1,8 mil milhões de doses com a Pfizer/BioNtech, para o reforço das vacinas. Por isso estamos confiantes de que continuaremos a fornecer tudo o que for necessário à estratégia europeia de vacinação.
A aposta na vacina da AstraZeneca foi o principal revés do processo?
Sim. O maior revés foi o facto da Astrazeneca ter falhado o cumprimento das obrigações contratuais por falta de capacidade de produção. É tão simples quanto isso. Eles falharam e foi por isso que avançámos para tribunal. Queremos garantir que nos são entregues as doses em falta e pelas quais pagámos. Precisamos delas porque são parte do nosso portefólio e já anunciámos que não vamos exercer a nossa opção de compra de mais doses.
Quanto dinheiro é que a União Europeia investiu no desenvolvimento da vacina da Astrazeneca?
Não estou em posição de dar números por empresa. Mas muitas das farmacêuticas que produziram as vacinas que estão autorizadas pela EMA [Agência Europeia do Medicamento] receberam dinheiro para investigação da União Europeia. E isto é necessário e faz sentido. E também foi muito útil para diminuir o tempo de produção destas vacinas.
Há estados-membros que tenham doses de vacinas prestes a chegar ao fim do prazo de validade, por não as poderem dar devido às orientações da EMA sobre as idades a que se destinam?
Não. Não penso que tenhamos estados-membros a descartar vacinas que tenham comprado. Mas, no caso de algumas destas doses não serem absorvidas nos mercados domésticos, todos os nossos estados podem doar as vacinas. Portugal a África, a Grécia aos Balcãs, à Covax.... Há toda esta dimensão de doar qualquer dose que não seja usada. Mas no geral existe uma boa relação entre as encomendas e a sua administração.
A Grécia foi o estado promotor do certificado digital covid. De que forma é que esta ferramenta pode ajudar na recuperação económica da UE?
Nos muitos anos em que estou na política europeia, o certificado digital covid é, provavelmente, um dos textos adotados em tempo recorde. Normalmente são precisos dois anos para aprovar uma proposta de regulamento. Esta foi decidida em dois meses. Isto é em si mesmo uma prova de como era muito necessário e como havia consenso político para o obter. É uma proposta de regulamento, o que significa que é obrigatório para todos os Estados-membros. Não é opcional, não é uma recomendação. Estamos na reta final, em que os países estão a alinhar as plataformas técnicas às do sistema comunitário. Portugal já está pronto. Penso que será a superarma europeia para o verão.
Pegando na ideia da superarma europeia, o certificado vai ser determinante para países, como Grécia e Portugal, onde o turismo é um setor importante?
Não há dúvidas de que este verão será muito melhor do que o do ano passado. Mas claramente isto não será comparável aos verões pré-pandemia a que estamos habituados e que os países do sul conhecem. Será melhor devido aos certificados, às vacinas e aos fundos que vamos começar a receber do Plano de Recuperação e Resiliência. Também sabemos muito mais sobre o vírus do que no verão passado. Temos melhores protocolos, mais conhecimento, melhor compreensão e penso que as pessoas estão mais confiantes. A combinação destes elementos aponta para um verão que será melhor. Penso que o setor pode apontar para alcançar 50% de um período normal. Seria aceitável, porque no ano passado foi cerca de 25%. Vamos esperar que o próximo verão seja aquele que nos leve de volta aos tempos pré-pandémicos.
Como estão as negociações com o Reino Unido e os Estados Unidos da América para o reconhecimento do certificado digital europeu?
Nos nossos acordos, abrimos as portas para os nossos Estados-membros reconhecerem certificados ou provas de vacinação de países terceiros, com a condição de estes fornecerem o mesmo nível de informação do que os nossos [teste, vacina ou recuperação]. O problema não é tanto o certificado, mas as condições que os países terceiros impõem aos seus cidadãos quando regressam - como a quarentena. Mas, claramente, penso que este é o elemento que faltava para que estes países possam aligeirar as restrições e será uma parte importante na [recuperação] do verão.
Quando acha que se irá criar a União Europeia da Saúde e quais serão os seus pilares?
A UES é como uma galáxia com muitos novos planetas. E é um milagre que esteja a acontecer. Já é uma realidade tangível. O elemento chave desta galáxia são as vacinas. O facto de continuarmos a ter nos próximos anos uma estratégia europeia de vacinação é um pilar da União Europeia da Saúde. Outro elemento que já está decidido é o novo programa financeiro autónomo para a saúde, de cinco mil milhões de euros para os próximos sete anos. Esta é a primeira vez que temos um fundo estrutural para a saúde. E depois há inúmeras propostas em cima da mesa e outras que hão de chegar. Propostas para reforçar os mandatos das duas agências europeias de saúde, o ECDC (Centro europeu de Prevenção e Controlo das Doenças e a EMA (Agência europeia do Medicamento), que queremos que sejam mais pró-ativas, do que reativas nas crises sanitárias.
Temos em cima da mesa uma nova estratégia farmacêutica para tornar os preços dos medicamentos mais acessíveis para todos. E um grande plano de ação europeu para combater o cancro e vamos apresentar em breve uma proposta para a criação de uma nova agência que se vai chamar Hera - The Health Emergency Response Awarness Agency (Agência de Consciencialização de Resposta a Emergências de Saúde, em tradução literal). Todas estas peças vão emergir e isto é algo que, de acordo com os nossos dados, as pessoas querem na União Europeia.
Nesta altura, quais considera que sãos as principais ameaças ao modo de vida europeu?
A primeira ameaça são os muitos governantes autoritários que vivem fora da UE mas que querem que a Europa falhe para alcançarem os seus propósitos. Isto é algo que estamos a ver em termos de ciberataques, de campanhas de desinformação. Eles não se vão poupar a esforços para desacreditar o projeto europeu. Outra ameaça, está dentro da união, são os liberais populistas que pensam que a Europa deve ser algo que reflita as suas ideias contra as de todos aqueles que não pensam da mesma forma. Esta cultura binária de "eles contra nós" que está a tentar ganhar terreno, mas que penso que está a falhar porque nas eleições estas forças umas vezes saíram-se bem mas nunca ganharam.
O terceiro tipo de ameaça é a rápida evolução tecnológica, que terá um impacto na sociedade, no mercado de trabalho e na coesão. Mas, para mim, modo de vida europeu não é um modelo. É um espelho que deve refletir a diversidade do que a Europa representa, a riqueza das nossas tradições, e a singularidade do nosso modelo de sociedade. É isto que devemos defender. É por tudo isto que a Europa é respeitada.
Os acontecimentos recentes em Ceuta mostraram a fragilidade da Europa face àqueles líderes de que falou há pouco? O que é preciso fazer?
Não precisamos que estes acontecimentos, como os Ceuta, Calais, Mória (...)nos lembrem de que precisamos de uma política migratória europeia. É um dever. A Europa tem o maior mercado mundial, a segunda moeda mundial, fizemos tantas coisas juntos: as vacinas, o plano de recuperação... É impensável, difícil de compreender, que ainda não tenhamos uma política migratória europeia.
Em setembro último colocámos à discussão, pela primeira vez, uma proposta abrangente para um novo pacto de migração e asilo, que aborda três questões principais. A relação com os países terceiros, a gestão das fronteiras e a solidariedade entre os estados membros.
Esta proposta está em cima da mesa e tem havido alguns progressos. Alguns elementos estão a ser discutidos. Há uma certa convergência, mas ainda não temos um acordo global para o pacto. Enquanto não tivermos este acordo isto será, em primeiro lugar, um argumento para aqueles que querem destruir a Europa, porque podem argumentar que a Europa não consegue resolver o problema da migração. E, em segundo lugar, ser um fator de atração permanente para a imigração ilegal. A falta de acordo serve os populistas e os traficantes, como nunca o fez antes. Por isso é que precisamos como nunca deste acordo.