A Cidade Universitária volta a ser o "epicentro" do voto antecipado em Lisboa, com mais de 39 mil eleitores inscritos. Para muitos, foi uma estreia no voto em mobilidade, para outros, uma forma de evitar a azáfama do dia oficial. E até mesmo a única forma de conseguir votar nestas legislativas.
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Ana Roque, 51 anos, aproveita o sol de primavera enquanto aguarda pelo companheiro. Faz parte dos 24 453 eleitores inscritos do círculo eleitoral de Lisboa e, “em poucos minutos”, votou na Faculdade de Direito. Vítor Barbosa não teve tanta sorte. “No meu caso demorou um pouco mais porque o meu nome estava no intervalo das listas da secção 95 da Faculdade de Letras. Mesmo lá na mesa de voto não sabiam indicar-me qual era a correta, tiveram de confirmar. Afinal era aqui”, partilha o eleitor de 58 anos, após sair então de uma das três mesas de voto pelo distrito do Porto, na Cantina Velha da Universidade de Lisboa.
Corrigido o erro, “foi muito rápido”, confessa Vítor. Nota-se uma maior afluência para o distrito do Porto em comparação com as secções vizinhas de Santarém e Évora, mas quem entra, rapidamente, em cerca de cinco minutos, sai com o comprovativo de voto na mão.
Com 123 secções instaladas, a Cidade Universitária volta a ser a grande assembleia de voto no concelho de Lisboa. Por aqui devem passar ao longo do dia 39 259 eleitores. Só nos concelhos de Lisboa e do Porto devem votar, ao todo, mais de 52 mil cidadãos, sendo que, a nível nacional, mais de 333 mil pediram para exercer o seu direito de voto uma semana antes do dia da eleição, a 18 de maio. É o maior número desde que a modalidade começou a funcionar, em 2019.
"Estas eleições podiam ser evitadas"
Vítor e Ana estreiam-se este domingo na modalidade. “É muito importante haver esta possibilidade”, afirma Ana, considerando que “sem dúvida” ajudará a combater a abstenção. “No nosso caso, como tínhamos que estar em Lisboa, é ótimo. Se não existisse esta possibilidade, provavelmente não iríamos votar porque no próximo fim de semana não vamos conseguir [votar onde estamos recenseados]”, acrescenta Vítor.
O casal só lamenta voltar às urnas tão cedo. “Estas eleições podiam ter sido evitadas. É um custo significativo para o país, são mais uns milhões de euros que somos nós, como contribuintes, que vamos pagar. E no final vai ficar tudo mais ou menos igual”.
É notória a maior afluência no ‘campus’ universitário em comparação com as últimas legislativas, que, com o passar das horas, cresce. De tal forma que, quem foi votar mais perto da hora de almoço na esperança de não encontrar tanto movimento, teve os planos furados. Muitos eleitores de várias idades chegam de transportes públicos, outros vindos de parques de estacionamento próximos, na companhia de familiares e amigos. E há mesmo quem se faça acompanhar por os seus amigos de quatro patas.
Organização do campus agrada
Apesar da grande afluência, o processo decorre de forma organizada e sem grandes aglomerações, com os eleitores a serem encaminhados rapidamente para as respetivas mesas de voto distribuídas pelos sete edifícios da Universidade de Lisboa. O que agrada bastante a Anabela. A reformada de 77 anos quis votar mais cedo precisamente para estar “longe da confusão no dia da eleição”.
“Está tudo organizado. Os papéis [com as listas] estão todos à vista, é procurar pelo nome e ir até à mesa certa, é fácil”. A reformada é uma eleitora assídua. “É um direito que temos, não o devemos desperdiçar”, defende, acrescentando, ainda assim, que este ano não acompanhou os debates por serem “irritantes” e “vazios”.
Anabela esteve também “vários anos nas mesas de voto” e chegou a ser delegada, conta. Mas coisas mudaram para a lisboeta, depois de sair do bairro dos Olivais, onde morou grande parte da sua vida. “Há quase três anos que fui obrigada a sair da cidade. Fui viver para Moscavide [em Loures]. Tive de vender a minha casa porque surgiram outras imposições na vida. É assim, passo muito tempo completamente sozinha. Não é o mesmo que viver no bairro mais antigo da freguesia. Mas isso é outra conversa”, desabafa.
Interesse pela modalidade está a crescer, diz autarquia
Até ao meio dia registou-se uma afluência às urnas de 26%, o que significa que mais de 10 mil eleitores inscritos já votaram. Um número um pouco abaixo em comparação com os 30% registados no mesmo período da manhã nas últimas eleições, neste caso as europeias de 2024, segundo um balanço feito pelo vice-presidente da Câmara Municipal de Lisboa.
Todavia, nestas legislativas, houve um aumento de 15% do número de eleitores inscritos para votar antecipadamente, o que, para Filipe Anacoreta Correia, é sinal de “um interesse crescente no processo eleitoral”. “O processo está a correr bem, cada vez há mais pessoas que têm acesso à informação desta possibilidade. Portanto, mesmo que não sejam moradores em Lisboa, que estejam aqui a passar o fim de semana ou pessoas que estão impedidas no próximo fim de semana de votar, inscreveram-se, daí, portanto, se verificar este aumento”, resume o autarca.
Afonso Ferreira também saiu satisfeito da Cantina Velha com o comprovativo de voto na mão. “Foi bem tranquilo, até pensei que demoraria mais tempo. Mas nem sequer tive alguém à minha frente”, confessa o jovem de 21 anos recenseado em Leiria. Foi a primeira vez que o estudante no Instituto Técnico de Lisboa optou para votar mais cedo.
“No próximo domingo já sabia que não ia estar tão disponível então preferi vir já”. E também incentivou os amigos a fazerem-no “Disse-lhes logo para voltarem mais cedo, para não desistirem de votar. Pelo menos o meu círculo de amigos é tudo malta que vota”. Para Afonso, “todas as eleições são igualmente decisivas”, e, portanto, tomou uma “decisão ponderada” após ver os debates.
Quem chegou à urna ainda um pouco indecisa foi Rita Castela. “Sou apartidária, não voto por ideologia, mas pelo que faz sentido para o país em cada momento, e confesso que nestas eleições foi muito complicado escolher. Foi um processo de reflexão durante muito tempo, ainda no caminho até chegar aqui”, partilha a eleitora de 30 anos à saída da Faculdade de Psicologia, onde votou pelo círculo de Coimbra.
Para Rita, a grande vantagem de votar antecipadamente “é a flexibilidade”. “Vivo a Lisboa há nove anos e desde que é possível que peço o voto antecipado porque não me tenho de deslocar de propósito a Coimbra para votar, o que às vezes é muito complicado. E, na verdade, se tiver algum compromisso, dá-me duas opções de escolha, no limite, para votar”, sublinha. A jovem, formada em Ciências Políticas, não acredita que “haja margem para mudanças significativas neste momento", dadas as opções no boletim. “Mas vamos ver”, diz.
As urnas estão abertas até às 19 horas. Quem se tenha inscrito para votar antecipadamente, mas não este domingo, pode fazê-lo no dia da eleição, na assembleia de voto onde se encontra recenseado.