Pandemia afetou todos os setores de atividade, mas nas localidades que tiram partido dos fluxos de pessoas movidas pela fé ainda se sentiu mais. Fátima, Braga e Lamego são três exemplos. Na primeira, a crise é muito mais acentuada, com a perda de mais de cinco milhões de visitantes.
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O ano de 2020 está a dar as últimas e não deixa saudades a ninguém. Na hora do balanço não faltam queixas de quem tem negócio, sobretudo os que mais dependem de atividades que não se puderam realizar, com o turismo à cabeça. O de cariz religioso tem verdadeiros destinos-chave em Portugal. E se é certo que uns são mais perenes, como Fátima, há outros mais sazonais, como Braga e Lamego, onde as tradições associadas à fé estão muito enraizadas, atraem centenas de milhares de pessoas e geram milhões em receitas. O saldo deste ano é negativo para todos.
De acordo com os últimos dados disponíveis, o Santuário de Fátima, no concelho de Ourém, terá perdido este ano quase cinco milhões de peregrinos. Os donativos baixaram para metade, enquanto na hotelaria, restauração e comércio em geral houve fortes quebras de negócio.
O presidente da Câmara de Ourém, Luís Albuquerque, diz ao JN Urbano que "a situação é preocupante". A pandemia afetou todas as atividades económicas em todo o lado, mas sendo Fátima uma cidade que vive sobretudo do turismo religioso "está a sofrer fortemente com toda esta situação".
A partir do momento em que abriu uma exceção para o Algarve, deveria ter feito o mesmo para Fátima, que, possivelmente, está a sofrer mais
O autarca gostaria que o Governo tivesse tido uma outra atenção à especificidade da cidade, pois "a partir do momento em que abriu uma exceção para o Algarve, deveria ter feito o mesmo para Fátima, que, possivelmente, está a sofrer mais". Baseia esta opinião no facto de "o Algarve ainda ter trabalhado no verão, embora não com o nível habitual", enquanto Fátima "vive muito de grupos estrangeiros", que, por força das restrições, nomeadamente no tráfego aéreo, "não vieram". Ora, "é esta especificidade que não foi tida em conta quando se apreciou na Assembleia da República a proposta do PSD que pretendia criar um regime de exceção também para Fátima".
Em Braga, a Semana Santa, que tem um peso económico muito forte na cidade, foi o primeiro grande evento a ser cancelado e a causar mossa na economia local. O presidente do Município, Ricardo Rio, adianta que nos tempos mais recentes foram criadas múltiplas atividades que "diminuíram um pouco o peso da dimensão religiosa" ao nível do turismo, mas como, praticamente desde março, "nada ocorreu na cidade", isso acarretou "prejuízos muito significativos nas atividades turísticas, restauração e comércio".
A Senhora dos Remédios e o seu santuário são o maior foco de atratividade turística do concelho de Lamego, que tem o seu ponto alto durante as festas de agosto e setembro, sobretudo no dia da procissão do triunfo. A 8 de setembro, quando os andores puxados por juntas de bois percorrem mais de dois quilómetros de ruas da cidade, centenas de milhares de pessoas chegadas de todo o país apinham-se nos melhores locais para ver passar a padroeira lamecense.
Decréscimo muito acentuado
Mas este ano não se realizaram as festas que normalmente têm uma duração de quase três semanas, tampouco a procissão e as celebrações religiosas foram reduzidas ao mínimo. Escusado será dizer que as visitas à cidade sofreram uma diminuição drástica e, por consequência, o impacto económico também.
O presidente da Câmara Municipal de Lamego, Ângelo Moura, realça que "houve uma redução acentuada de visitantes, principalmente na primeira semana de setembro". Estima que "300 a 400 mil pessoas possam não ter passado pela cidade" durante as festas, comparativamente com um ano normal. De resto, 300 mil são facilmente atingíveis quando o dia 8 de setembro calha ao fim de semana.
Em julho e agosto até houve "uma boa afluência" aos monumentos e equipamentos culturais lamecenses, potenciada, até, pela moda em que se tornou a Rota da Estrada Nacional 2, mas não o suficiente para compensar as perdas.
Negocio caiu bastante
O padre João Teixeira, reitor do Santuário de Nossa Senhora dos Remédios, diz não ter dados das perdas em ofertas da população, mas "tal como aconteceu em todas as igrejas, em Fátima e mesmo no Vaticano, houve um decréscimo muito acentuado". Compreende que assim seja porque, para além de não ter havido procissão, "muitas pessoas estão a passar necessidades".
Por outro lado, a igreja "tem procurado ajudar os cidadãos que estão em maiores apuros, como é sua obrigação", embora este ano com mais dificuldades, já que também tem menos para distribuir. Daí que tenha apelado aos cristãos para participarem em algumas coletas, de modo a "fazer chegar bens às pessoas mais carenciadas".
Os comerciantes da cidade não vão ter saudades de 2020. Na empresa Horácio Fumeiros, que tem lojas na Praça do Comércio e junto ao Santuário da Senhora dos Remédios, e ainda posto de venda temporário durante as festas, Idalina Almeida confessa que "o negócio caiu bastante". O estabelecimento da cidade não foi o que se ressentiu mais, "porque os clientes habituais continuam a comprar", mas nos outros houve uma "grande quebra". A título de exemplo, num ano normal, "durante a festa podem vender-se 100 presuntos e este ano apenas saíram metade".
Paula Santos, gerente da Casa Nuno, um restaurante na Praça do Comércio, garante que "a quebra foi muito grande, à volta dos 50%", nomeadamente na época em que habitualmente decorrem as festas e que este ano não se realizaram. Com todas as restrições para conter a pandemia "tornou-se ainda mais complicado".
Na Pastelaria Dalila, que vende as famosas bolas de Lamego, o gerente, André Borges Pinto, destaca que "o negócio ressentiu-se", comparando com o que fatura quando há romaria. Porém, menos que noutros negócios, pois "os clientes fiéis nunca faltaram", conclui.