A pandemia pressionou as zonas urbanas a reinventarem-se para dar aos cidadãos comércio, serviços e equipamentos de proximidade e de grande qualidade. As novas urbes serão multifuncionais, policêntricas e com tudo à distância máxima de um quarto de hora. A mobilidade suave também ganhará cada vez mais relevância.
Corpo do artigo
Laura Alves intensificou, durante a pandemia, o hábito de "fazer as rotinas em torno de casa", no centro de Lisboa. Faz parte do número crescente de pessoas que quer ter, numa curta distância a pé ou de bicicleta, as lojas, serviços, equipamentos e espaços verdes de que necessita, mas numa cidade mais inclusiva, sustentável e saudável. Carlos Moreno, urbanista e professor na Universidade Sorbonne, em Paris, deu-lhe um nome: "Cidade em 15 minutos".
"As cidades devem ser inclusivas e não obrigar a grandes deslocações para se encontrar o que se necessita no dia a dia, para que sejam melhores locais para viver", defende Laura Alves. Nas imediações da sua casa, só ficam a faltar "espaços verdes de qualidade", mas sabe que muita gente é obrigada a percorrer longas distâncias de carro para encontrar o que precisa.
As cidades em 15 minutos são um novo "conceito de proximidade" que pretende terminar com a "fragmentação dos grandes centros urbanos", em que o acesso a muitas atividades obriga a longas viagens em viatura própria ou de transporte público, explica João Ferrão, ex-secretário de Estado do Ordenamento do Território e das Cidades. O que se pretende com esta nova visão "é fazer prevalecer a lógica da proximidade, centrada numa ótica de comunidade, que parecia estar esquecida até à pandemia".
Ao forçar as pessoas a estarem mais tempo em casa, a covid-19 levou a que se refletisse sobre "a qualidade da envolvente do sítio onde se vive". João Ferrão considera que é necessário "tornar as cidades mais policêntricas", ou seja, não há um único grande centro e depois subúrbios, há muitos centros.
A mudança social já estava em andamento quando surgiu a pandemia. Com ela agregaram-se "tendências que já estavam em curso, mas de forma desarticulada", considera João Ferrão. Não é uma moda passageira. É preciso olhar para o conjunto das zonas urbanas que nos rodeiam e encontrar formas de aplicar este conceito.
ponto de partida para a cidade dos 15 minutos é a observação da dissociação entre tempo e espaço, que questiona os estilos de vida, produção, consumo e viagens
"O ponto de partida para a cidade dos 15 minutos é a observação da dissociação entre tempo e espaço, que questiona os estilos de vida, produção, consumo e viagens", explica o franco-colombiano Carlos Moreno, urbanista e professor na Universidade Sorbonne, em Paris, salientando que os custos da mobilidade são múltiplos: tempo (consumido no percurso de longas distâncias e engarrafamentos), financeiros (combustível, manutenção de viaturas), ambientais (poluição) e até de espaço (que é dedicado aos carros e não às pessoas).
A cidade de 15 minutos que advoga é um território "policêntrico, onde a densidade se torna agradável, onde a proximidade é viva e onde a intensidade social é real". É, explica ao JN Urbano, "uma cidade onde os residentes podem encontrar respostas para as suas necessidades diárias a partir de seis categorias de funções sociais: viver, trabalhar, fornecer, cuidar, aprender e desfrutar" numa distância que não deve exceder o quarto de hora de casa a pé ou de bicicleta.
A mudança que se defende é "urgente e necessária" devido às inúmeras "crises do nosso tempo". "A crise ambiental exige uma nova organização da cidade, mais sustentável e mais viável. A da saúde levou-nos a repensar a maneira como vivemos e nos movemos nos espaços públicos", refere, explicando que as cidades devem ser planeadas para se adaptarem "aos desafios que enfrentam e às necessidades dos usuários".
As cidades têm de ser planeadas em função das suas caraterísticas, contextos sociais e económicos e têm de ser pensadas numa lógica multifuncional
E isso passa por ter não só acesso a espaços comerciais e equipamentos, mas também olhar com atenção para a questão dos espaços verdes, da qualidade do ar, da poluição sonora, correspondendo às mudanças sociais que estão a acontecer.
As urbes "têm de ser planeadas em função das suas caraterísticas, contextos sociais e económicos. Têm de ser pensadas numa lógica multifuncional - que proporciona aos seus habitantes não só a habitação, mas outras funções como comércio e equipamentos", reflete Teresa Sá Marques, docente da Universidade do Porto e investigadora do Centro de Estudos de Geografia e Ordenamento do Território, salientando que são espaços "diversificados socialmente".
Por isso, quando se fala em ter acesso ao essencial numa curta distância, temos de pensar em quem ali habita. "É preciso atender às diferentes necessidades, porque as da população idosa não são as mesmas dos jovens. Os serviços de apoio social, por exemplo, são diferentes".
Mais memórias e vivências urbanas
A pandemia lançou um alerta aos planeadores urbanos e aos autarcas, pois "hoje a população está muito mais sensível às suas condições de habitabilidade e ao contexto residencial", reforça a investigadora. E insiste. Não está em causa só o comércio, serviços e equipamentos que existem na proximidade. As pessoas estão "mais atentas à qualidade dos transportes e do espaço público. Querem passeios, ruas, praças e jardins com qualidade necessária para o usufruto". Até porque a pandemia já dura há mais de um ano e levou à mudança de hábitos, à criação de "mais memórias e vivências urbanas".
A pedido do JN Urbano, Teresa Sá Marques lança um olhar sobre a cidade do Porto e vê muitas diferenças. "Dentro da Circunvalação, a cidade é mais concentrada e mais multifuncional. Entre a Via de Cintura Interna e a Circunvalação, temos uma cidade que é mais estendida e menos multifuncional, é uma cidade que cresceu nas últimas décadas e não tem uma oferta funcional tão diversificada", descreve.
O conceito da cidade dos 15 minutos, acredita Miguel de Castro Neto, professor da Nova Information Management School, pode dar um forte contributo para tornar as zonas urbanas mais sustentáveis, pois vai no sentido de se conseguir alcançar o que é necessário no quotidiano numa deslocação a pé ou de bicicleta.
Por todo o Mundo começam a surgir estratégias e investimentos para fazer a mudança (ler casos ao lado). Implica repensar o planeamento urbano e fazer, em alguns casos, mudanças estruturais para "aumentar o espaço público para as pessoas", desenvolver com criatividade locais para lazer e zonas verdes, reduzindo a pegada ecológica e promovendo a descarbonização. Em suma, devolver a cidade às pessoas